Operação Tridente
Uma importante força de guerrilheiros do PAIGC comandada por Nino Vieira ocupou as ilhas da Caiar, Como e Catungo, esta região constituía um importante ponto de apoio para a guerrilha - porque ali encontrava alimentação farta em arroz e carne e dali flagelava toda a região Sudoeste da Guiné. A tropa portuguesa respondeu e, em Janeiro de 1964, lançou a “Operação Tridente”, com 1.100 homens, sob o comando do tenente-coronel Fernando Cavaleiro. Objectivo: recuperar o controlo das ilhas de modo a garantir a segurança dos abastecimentos marítimos na costa sul da Guiné e cortar à guerrilha tão importante base de apoio. Os combates prolongaram-se por 71 dias. Os guerrilheiros foram desalojados das ilhas. Nove soldados portugueses morreram, 47 ficaram feridos e 1932 foram evacuados por doença.
A vila de Catió, no extremo Sudoeste da Guiné, era a segunda mais importante da província. Um estreito canal separa a povoação de um razoável pedaço de terra entrecortado por rios que praticamente o separam em três ilhotas: Caiar, Como e Catungo. Foi nestas ilhas, ocupadas por uma considerável força de guerrilheiros do PAIGC, que as tropas portuguesas, no inicio de 1964, lançaram uma longa e desgastante ofensiva: a "Operação Tridente" - a primeira manobra militar em larga escala levada a cabo durante a Guerra Colonial e uma das maiores entre todas as que foram executadas ao longo do conflito.
Um ano antes, a 20 de Janeiro de 1963 a guerrilha do PAIGC, movimento nacionalista fundado por Amílcar Cabral, tinha lançado um vigoroso ataque ao aquartelamento português em Tite, na margem esquerda do Rio Geba, escassos quilómetros a sul de Bissau. Começava assim a guerra na Guiné. Os guerrilheiros contavam com poderoso apoio da vizinha Guiné-Conacri, onde tinham as suas principais bases. Começaram a tomar posições no Sul da provincia. A seguir ao ataque a Tite, ocuparam a região de Caiar, Como e Catungo.
As ilhas, fartas em arroz e cabeças de gado, constituíam para a guerrilha um importante ponto de apoio para as suas linhas de reabastecimento e uma base de onde flagelava o Sudoeste da provincia e causava dificuldades à navegação na costa Sul. A vila de Catió, a segunda mais populosa da Guine, era abastecida por mar: as lanchas partiam de Bissau, desciam para Sul, ate Tombali - onde entravam no estreito Rio de Caiar ate Catió. A navegação ao longo desse pequeno canal, que separa o continente das ilhas ocupadas, era cada vez mais difícil e inseguro: as lanchas eram flageladas pelo fogo da guerrilha.
A ocupação, sem a mais pequena resistência, dava aos grupos armados do PAIGC um inestimável alento moral. Os guerrilheiros chamavam às ilhas a Republica Independente do Como. A população, de etnia papel e balanta, colaborava com os nacionalistas. Apenas um colono português habitava a região: chamava-se Brandão e dedicava-se ao cultivo de arroz e à criação de gado.
Quando os comandos militares portugueses começaram a preparar o ataque às ilhas, nos finais de 1963, já imaginavam as dificuldades que iriam encontrar. A força da guerrilha era formada por 300 homens, razoavelmente armados de pistola, pistola-metralhadora e espingardas de repetição, organizados em três grupos encabeçados por Indini Barna, Pan Sau e Agostinho de Sá - todos sob as ordens de Nino Vieira, que nos anos seguintes viria a tornar-se num dos mais eficazes chefes da guerrilha e no mítico comandante dos grupos do PAIGC que combatiam por todo o Sul da Guiné.
Os ocupantes das ilhas de Caiar, Como e Catungo, de acordo com as informações militares, dispunham ainda de algumas metralhadoras pesadas e ligeiras. E os portugueses sabiam que eles tinham os acampamentos montados a norte de Cauane, ao redor de Cassaca (ver mapa nestas paginas), uma zona de mata densa tão cerrada e traiçoeira que lá dentro a visibilidade não ia além de escassos cinco metros. Uma verdadeira ratoeira mortal.
Planos em Bissau
Na semana do Natal de 1964, o quartel-general em Bissau fervilhava de actividade. O comandante-chefe, brigadeiro Louro de Sousa, tinha decidido atacar as ilhas e atribuiu a missão ao comandante do Batalhão de Cavalaria 490, tenente-coronel Fernando Cavaleiro. A acção militar contra a região do Como começou a ser planeada no máximo segredo. De tal maneira que os comandantes das unidades envolvidas no ataque apenas foram informados de todos os planos escassos dias antes do embarque. E os oficiais subalternos só souberam da ordem de batalha na véspera do Dia D.
Estava em marcha a Operação Tridente. Três companhias de Cavalaria e uma companhia de Caçadores, apoiadas por pelotões de para-que-distas e sapadores, pelotões de morteiros e de obuses, e por um grupo de oito comandos, iriam desembarcar em Caiar, no Como e no Catungo. Os desembarques teriam a cobertura de destacamentos de Fuzileiros Especiais, os primeiros a pisar as zonas de combate e a quem competia estabelecer cabeças de praia que permitissem a chegada por mar do resto das forças invasoras (ver mapa nestas paginas). A ordem de operações mandava que as tropas, de acordo com planos previamente estabelecidos, ocupassem rapidamente as zonas de Caiar e Cauane e, posteriormente, Catungo Balanta e Cametonco capturando, ou se necessário aniquilando, os grupos terroristas, e ocupando ou destruindo as suas instalações.
Ficou decidido que as tropas embarcariam, progressivamente, ao longo do dia 14 de Janeiro de 1964 a bordo de lanchas da Armada e da fragata Nuno Tristão. A primeira vaga de assalto às ilhas seria lançada às 9h30 do dia 15. Tratava-se da maior operação das que tinham sido realizadas até então desde que a guerra estalara em Angola.
Previa-se que fosse de longa duração, para lá de dois meses. O que obrigou a um esforçado planeamento de todas as acções de abastecimento das tropas. Neste pormenor, nem tudo havia de correr bem, por culpa da pobreza de meios. Soldados e, oficiais alimentaram-se durante 23 dias consecutivos a ração de combate - sempre a mesma, sem variar. E nos outros 48 dias tiveram apenas uma refeição diária quente e mesmo essa de fraca qualidade. Acoitados pelo clima, obrigados a um esforço físico tremendo durante os 71 dias da operação, mal alimentados, pelo menos 193 combatentes não resistiram à doença e foram evacuados para Bissau. Também lhes faltou água. Estava previsto que se abasteceriam no local, mas a maior parte dos poços eram salobros.
Nino Vieira pede reforços
Ao fim de 48 dias de combates na região do Como, as tropas portuguesas interceptaram um estafeta com uma carta de Nino Vieira, escrita à maquina, para outros chefes da guerrilha. Os destinatários eram os comandantes Faincam e Kant.
De acordo com os serviços de informações militares e a PIDE de Bissau, Faincam era o nome de código de Rui Demba Djassi e Kant correspondia a Domingos Ramos.
Nino Vieira, flagelado pelas tropas portuguesas, não conseguia retirar juntamente com a população e pedia reforços: "Enviem-me 150 a 200 camaradas (...) tenham paciência porque não tenho outra safa a não ser o vosso auxilio". Mal sabia ele que a mensagem nunca chegaria ao destino. Aqui fica a carta, transcrita na Integra:
"Camaradas Faincam e Kant
Para que esta vos encontre continuando uma boa saúde, junto dos vossos camaradas. Eu e os meus vamos indo razoavelmente bem.
Camaradas, achei obrigado a dirigir-vos estas linhas, porque sei que já não tenho nenhuma safa a não ser que dirigindo-me a vós. Como sabem estou muito afrontado, porque as tropas ainda continuam a praticar basbaras massacres no I. Como.
Hoje já se faz 48 dias que os n/ camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Queria que os camaradas retirassem juntamente com a população conforme era a solução tomada pelo n/ Secretario Geral. Mas o que é certo é impossivel, porque não temos o caminho de fazê-los sair. Por isso agdadecia-vos que me mandassem reforço vindo de todas as partes. Mesmo se por acaso será possível podem enviar ao mínimo 150 a 200 camaradas, porque senão os portugueses vão-me dar cabo da população.
Camaradas, tenham paciência porque não tenho uma outra safa a não ser o vosso auxilio.
Tenho encontrado numa situação muito grave. As tropas estão aumentando cada vez mais as suas forcas, tanto como terrestres, aviação e também por meios marítimos.
Camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que dum dia para o outro vamos ficar sem a população e sem guerrilheiros aí já estamos a contar com a baixa de 23 camaradas N/ durante todos estes dias dos ataques.
Portanto termino desejando-vos maiores sucessos, junto dos vossos camaradas e do povo em geral.
Do vosso camarada Marga-Nino"
Na véspera do ataque, a artilharia portuguesa instalada em Caiar flagelou sem descanso toda a região. Norte das ilhas de Caiar, Como e Catunco. Os guerrilheiros acreditaram que esse seria o local de embarque. Enganaram-se. As forças envolvidas na Operação Tridente tomaram as ilhas de assalto pelo lado Sul. Os desembarques decorreram sem um único tiro.
Ao alvorecer de 15 de Janeiro de 1964, o dia D da Operação Tridente, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro aparentava uma calma olimpica - mas lá por dentro roia-lhe a ansiedade. Estava a poucas horas de lançar o ataque às ilhas de Caiar, Como e Catunco. As tropas a bordo de lanchas da Armada já iam a caminho dos locais de desembarque. Ele seguia na fragata "Nuno Tristão". Tinha a certeza de que planeara tudo como devia ser e estava confiante no êxito da missão. Mas não podia esquecer a intriga que nos últimos dias percorrera em surdina nos corredores do quartel-general, em Bissau: a operação seria um desastre com numerosas baixas para as nossas tropas, diziam entre dentes alguns oficiais do estado-maior.
Precisamente as 8h30 de 15 Janeiro, os fuzileiros especiais pisaram a zona de combate: o Destacamento 7, comandado pelo primeiro-tenente Ribeiro Pacheco, desembarcou no ponto 3 da ordem de operações, na ilha de Caiar enquanto o Destacamento 8, sob as ordens do primeiro-tenente Alpoim Calvão, chegava ao local 4, na Ilha do Como (ver mapa nestas paginas).
Os fuzileiros tinham como primeira missão estabelecer cabeças de praia que permitissem, três quartos de hora depois, o desembarque em segurança das companhias de Cavalaria.
AGRUPAMENTO A - A companhia 487, comandada pelo capitão Rui Cidrais, desembarca à 9h15, sob a protecção dos homens do primeiro-tenente Ribeiro Pacheco.
Esta companhia de Cavalaria e o destacamento de Fuzileiros Especiais 7 formam o Agrupamento A, comandado pelo major António Varela Romeiras, que tem ordens para seguir imediatamente para a tabanca de Caiar.
A marcha para Caiar é longa e penosa. Os soldados transportam peso a mais, cerca de 30 a 35 quilos de equipamento cada um. E falta-lhes água. A operação fora planeada de acordo com informações fornecidas pelo estado-maior de Bissau que vieram a revelar-se falsas. A abundância de água na região era uma dessas mentiras.
A caminho de Caiar só encontram agua salobra e suja. Primeira contrariedade. Têm que ser abastecidos por um helicóptero que lhes levou 100 litros de água. Ainda são incomodados durante a marcha por fogo inimigo. Nada de meter medo. Apenas uns tiros de pistola, de vez em quando. O suficiente para atrasar a coluna. Só chegam a Caiar cerca das três e meia da tarde do dia seguinte. Encontram a tabanca vazia, sem vivalma, mas com sinais de vida recente. Os grupos da guerrilha, que já tinham dado pela presença da tropa, tinham levado a população dali para fora para evitar que ela colaborasse de alguma forma com os portugueses.
AGRUPAMENTO B - A Companhia de Cavalaria 488, do capitão Manuel Arrabaça, desembarca em Catabão II, na ilha do Como. São precisamente 9h15. Juntamente com o Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, com quem forma o Agrupamento B, força comandada pelo capitão Ferreira, parte para o objectivo, Cauane - onde chega cerca das três da tarde de 15 de Janeiro. Dão-se os primeiros combates.
A zona de Cauane está ocupada por um considerável grupo de guerrilheiros. As tropas portuguesas atacam com fogo de morteiro, ao mesmo tempo que a Força Aérea bombardeia do ar. Primeira baixa: um avião T-6 é abatido pelos guerrilheiros - que entretanto, se refugiam na mata.
As força do PAIGC, protegidas pela vegetação cerrada, metralham com violência. O comandante do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, Alpoim Calvão, toma uma decisão arriscada: à cabeça de um grupo de fuzileiros entra na mata densa e traiçoeira e consegue desalojar a guerrilha.
AGRUPAMENTO C - A Companhia de Cavalaria 488, do capitão Pato Anselmo, sobe o rio de Catunco a bordo de lanchas da Armada e, às nove da manhã do dia 16 de Janeiro, desembarca no ponto 13 da ordem de operações (ver mapa nestas páginas). A companhia vai reforçada com pelotões de pára-quedistas, de morteiros e de sapadores. Estas forças formam o Agrupamento B, comandado pelo capitão Cabral. Tomam Catunco Papel e Catunco Balanta sem oposição da guerrilha.
AGRUPAMENTO D - O Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, sob o comando do primeiro tenente Faria de Carvalho, desembarca à nove da manhã do dia 16, na costa leste de Catunco, nas margens do rio Cumbijã. Ocupa a tabanca de Cametonco, ainda nessa manhã, sem encontrar resistência.
Ao final da manhã do dia 16 de Janeiro, o comandante da Operação Tridente, tenente-coronel Fernando Cavaleiro, ainda está a bordo da fragata “Nuno Tristão”, nas águas do Sul da Guiné.
Tem razões para estar apreensivo: deram-se combates violentos em Cauane e um avião tinha sido abatido - o que demonstrara o poder de fogo da guerrilha. Ainda assim, tinha surpreendido os guerrilheiros. Desde a véspera da operação, peças de artilharia instaladas em Catió tinham flagelado todo o norte das ilhas de Caiar, Como e Catunco, o que fez crer que às forças do PAIGC que os desembarques iriam ocorrer nessa zona. O ataque da artilharia foi uma clássica manobra de diversão. Mas o resultou. De tal maneira que as tropas desembarcaram sem um tiro. Todas as forças estão agora colocadas no terreno. Mas o tenente-coronel Cavaleiro sabe que o pior está para vir.
Os 29 heróis da Operação Tridente
No final da ofensiva, o comandante da forças, Tenente-coronel Fernando Cavaleiro concedeu 29 louvores aos seus homens
A vila de Catió, no extremo Sudoeste da Guiné, era a segunda mais importante da província. Um estreito canal separa a povoação de um razoável pedaço de terra entrecortado por rios que praticamente o separam em três ilhotas: Caiar, Como e Catungo. Foi nestas ilhas, ocupadas por uma considerável força de guerrilheiros do PAIGC, que as tropas portuguesas, no inicio de 1964, lançaram uma longa e desgastante ofensiva: a "Operação Tridente" - a primeira manobra militar em larga escala levada a cabo durante a Guerra Colonial e uma das maiores entre todas as que foram executadas ao longo do conflito.
Um ano antes, a 20 de Janeiro de 1963 a guerrilha do PAIGC, movimento nacionalista fundado por Amílcar Cabral, tinha lançado um vigoroso ataque ao aquartelamento português em Tite, na margem esquerda do Rio Geba, escassos quilómetros a sul de Bissau. Começava assim a guerra na Guiné. Os guerrilheiros contavam com poderoso apoio da vizinha Guiné-Conacri, onde tinham as suas principais bases. Começaram a tomar posições no Sul da provincia. A seguir ao ataque a Tite, ocuparam a região de Caiar, Como e Catungo.
As ilhas, fartas em arroz e cabeças de gado, constituíam para a guerrilha um importante ponto de apoio para as suas linhas de reabastecimento e uma base de onde flagelava o Sudoeste da provincia e causava dificuldades à navegação na costa Sul. A vila de Catió, a segunda mais populosa da Guine, era abastecida por mar: as lanchas partiam de Bissau, desciam para Sul, ate Tombali - onde entravam no estreito Rio de Caiar ate Catió. A navegação ao longo desse pequeno canal, que separa o continente das ilhas ocupadas, era cada vez mais difícil e inseguro: as lanchas eram flageladas pelo fogo da guerrilha.
A ocupação, sem a mais pequena resistência, dava aos grupos armados do PAIGC um inestimável alento moral. Os guerrilheiros chamavam às ilhas a Republica Independente do Como. A população, de etnia papel e balanta, colaborava com os nacionalistas. Apenas um colono português habitava a região: chamava-se Brandão e dedicava-se ao cultivo de arroz e à criação de gado.
Quando os comandos militares portugueses começaram a preparar o ataque às ilhas, nos finais de 1963, já imaginavam as dificuldades que iriam encontrar. A força da guerrilha era formada por 300 homens, razoavelmente armados de pistola, pistola-metralhadora e espingardas de repetição, organizados em três grupos encabeçados por Indini Barna, Pan Sau e Agostinho de Sá - todos sob as ordens de Nino Vieira, que nos anos seguintes viria a tornar-se num dos mais eficazes chefes da guerrilha e no mítico comandante dos grupos do PAIGC que combatiam por todo o Sul da Guiné.
Os ocupantes das ilhas de Caiar, Como e Catungo, de acordo com as informações militares, dispunham ainda de algumas metralhadoras pesadas e ligeiras. E os portugueses sabiam que eles tinham os acampamentos montados a norte de Cauane, ao redor de Cassaca (ver mapa nestas paginas), uma zona de mata densa tão cerrada e traiçoeira que lá dentro a visibilidade não ia além de escassos cinco metros. Uma verdadeira ratoeira mortal.
Planos em Bissau
Na semana do Natal de 1964, o quartel-general em Bissau fervilhava de actividade. O comandante-chefe, brigadeiro Louro de Sousa, tinha decidido atacar as ilhas e atribuiu a missão ao comandante do Batalhão de Cavalaria 490, tenente-coronel Fernando Cavaleiro. A acção militar contra a região do Como começou a ser planeada no máximo segredo. De tal maneira que os comandantes das unidades envolvidas no ataque apenas foram informados de todos os planos escassos dias antes do embarque. E os oficiais subalternos só souberam da ordem de batalha na véspera do Dia D.
Estava em marcha a Operação Tridente. Três companhias de Cavalaria e uma companhia de Caçadores, apoiadas por pelotões de para-que-distas e sapadores, pelotões de morteiros e de obuses, e por um grupo de oito comandos, iriam desembarcar em Caiar, no Como e no Catungo. Os desembarques teriam a cobertura de destacamentos de Fuzileiros Especiais, os primeiros a pisar as zonas de combate e a quem competia estabelecer cabeças de praia que permitissem a chegada por mar do resto das forças invasoras (ver mapa nestas paginas). A ordem de operações mandava que as tropas, de acordo com planos previamente estabelecidos, ocupassem rapidamente as zonas de Caiar e Cauane e, posteriormente, Catungo Balanta e Cametonco capturando, ou se necessário aniquilando, os grupos terroristas, e ocupando ou destruindo as suas instalações.
Ficou decidido que as tropas embarcariam, progressivamente, ao longo do dia 14 de Janeiro de 1964 a bordo de lanchas da Armada e da fragata Nuno Tristão. A primeira vaga de assalto às ilhas seria lançada às 9h30 do dia 15. Tratava-se da maior operação das que tinham sido realizadas até então desde que a guerra estalara em Angola.
Previa-se que fosse de longa duração, para lá de dois meses. O que obrigou a um esforçado planeamento de todas as acções de abastecimento das tropas. Neste pormenor, nem tudo havia de correr bem, por culpa da pobreza de meios. Soldados e, oficiais alimentaram-se durante 23 dias consecutivos a ração de combate - sempre a mesma, sem variar. E nos outros 48 dias tiveram apenas uma refeição diária quente e mesmo essa de fraca qualidade. Acoitados pelo clima, obrigados a um esforço físico tremendo durante os 71 dias da operação, mal alimentados, pelo menos 193 combatentes não resistiram à doença e foram evacuados para Bissau. Também lhes faltou água. Estava previsto que se abasteceriam no local, mas a maior parte dos poços eram salobros.
Nino Vieira pede reforços
Ao fim de 48 dias de combates na região do Como, as tropas portuguesas interceptaram um estafeta com uma carta de Nino Vieira, escrita à maquina, para outros chefes da guerrilha. Os destinatários eram os comandantes Faincam e Kant.
De acordo com os serviços de informações militares e a PIDE de Bissau, Faincam era o nome de código de Rui Demba Djassi e Kant correspondia a Domingos Ramos.
Nino Vieira, flagelado pelas tropas portuguesas, não conseguia retirar juntamente com a população e pedia reforços: "Enviem-me 150 a 200 camaradas (...) tenham paciência porque não tenho outra safa a não ser o vosso auxilio". Mal sabia ele que a mensagem nunca chegaria ao destino. Aqui fica a carta, transcrita na Integra:
"Camaradas Faincam e Kant
Para que esta vos encontre continuando uma boa saúde, junto dos vossos camaradas. Eu e os meus vamos indo razoavelmente bem.
Camaradas, achei obrigado a dirigir-vos estas linhas, porque sei que já não tenho nenhuma safa a não ser que dirigindo-me a vós. Como sabem estou muito afrontado, porque as tropas ainda continuam a praticar basbaras massacres no I. Como.
Hoje já se faz 48 dias que os n/ camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Queria que os camaradas retirassem juntamente com a população conforme era a solução tomada pelo n/ Secretario Geral. Mas o que é certo é impossivel, porque não temos o caminho de fazê-los sair. Por isso agdadecia-vos que me mandassem reforço vindo de todas as partes. Mesmo se por acaso será possível podem enviar ao mínimo 150 a 200 camaradas, porque senão os portugueses vão-me dar cabo da população.
Camaradas, tenham paciência porque não tenho uma outra safa a não ser o vosso auxilio.
Tenho encontrado numa situação muito grave. As tropas estão aumentando cada vez mais as suas forcas, tanto como terrestres, aviação e também por meios marítimos.
Camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que dum dia para o outro vamos ficar sem a população e sem guerrilheiros aí já estamos a contar com a baixa de 23 camaradas N/ durante todos estes dias dos ataques.
Portanto termino desejando-vos maiores sucessos, junto dos vossos camaradas e do povo em geral.
Do vosso camarada Marga-Nino"
Na véspera do ataque, a artilharia portuguesa instalada em Caiar flagelou sem descanso toda a região. Norte das ilhas de Caiar, Como e Catunco. Os guerrilheiros acreditaram que esse seria o local de embarque. Enganaram-se. As forças envolvidas na Operação Tridente tomaram as ilhas de assalto pelo lado Sul. Os desembarques decorreram sem um único tiro.
Ao alvorecer de 15 de Janeiro de 1964, o dia D da Operação Tridente, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro aparentava uma calma olimpica - mas lá por dentro roia-lhe a ansiedade. Estava a poucas horas de lançar o ataque às ilhas de Caiar, Como e Catunco. As tropas a bordo de lanchas da Armada já iam a caminho dos locais de desembarque. Ele seguia na fragata "Nuno Tristão". Tinha a certeza de que planeara tudo como devia ser e estava confiante no êxito da missão. Mas não podia esquecer a intriga que nos últimos dias percorrera em surdina nos corredores do quartel-general, em Bissau: a operação seria um desastre com numerosas baixas para as nossas tropas, diziam entre dentes alguns oficiais do estado-maior.
Precisamente as 8h30 de 15 Janeiro, os fuzileiros especiais pisaram a zona de combate: o Destacamento 7, comandado pelo primeiro-tenente Ribeiro Pacheco, desembarcou no ponto 3 da ordem de operações, na ilha de Caiar enquanto o Destacamento 8, sob as ordens do primeiro-tenente Alpoim Calvão, chegava ao local 4, na Ilha do Como (ver mapa nestas paginas).
Os fuzileiros tinham como primeira missão estabelecer cabeças de praia que permitissem, três quartos de hora depois, o desembarque em segurança das companhias de Cavalaria.
AGRUPAMENTO A - A companhia 487, comandada pelo capitão Rui Cidrais, desembarca à 9h15, sob a protecção dos homens do primeiro-tenente Ribeiro Pacheco.
Esta companhia de Cavalaria e o destacamento de Fuzileiros Especiais 7 formam o Agrupamento A, comandado pelo major António Varela Romeiras, que tem ordens para seguir imediatamente para a tabanca de Caiar.
A marcha para Caiar é longa e penosa. Os soldados transportam peso a mais, cerca de 30 a 35 quilos de equipamento cada um. E falta-lhes água. A operação fora planeada de acordo com informações fornecidas pelo estado-maior de Bissau que vieram a revelar-se falsas. A abundância de água na região era uma dessas mentiras.
A caminho de Caiar só encontram agua salobra e suja. Primeira contrariedade. Têm que ser abastecidos por um helicóptero que lhes levou 100 litros de água. Ainda são incomodados durante a marcha por fogo inimigo. Nada de meter medo. Apenas uns tiros de pistola, de vez em quando. O suficiente para atrasar a coluna. Só chegam a Caiar cerca das três e meia da tarde do dia seguinte. Encontram a tabanca vazia, sem vivalma, mas com sinais de vida recente. Os grupos da guerrilha, que já tinham dado pela presença da tropa, tinham levado a população dali para fora para evitar que ela colaborasse de alguma forma com os portugueses.
AGRUPAMENTO B - A Companhia de Cavalaria 488, do capitão Manuel Arrabaça, desembarca em Catabão II, na ilha do Como. São precisamente 9h15. Juntamente com o Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, com quem forma o Agrupamento B, força comandada pelo capitão Ferreira, parte para o objectivo, Cauane - onde chega cerca das três da tarde de 15 de Janeiro. Dão-se os primeiros combates.
A zona de Cauane está ocupada por um considerável grupo de guerrilheiros. As tropas portuguesas atacam com fogo de morteiro, ao mesmo tempo que a Força Aérea bombardeia do ar. Primeira baixa: um avião T-6 é abatido pelos guerrilheiros - que entretanto, se refugiam na mata.
As força do PAIGC, protegidas pela vegetação cerrada, metralham com violência. O comandante do Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, Alpoim Calvão, toma uma decisão arriscada: à cabeça de um grupo de fuzileiros entra na mata densa e traiçoeira e consegue desalojar a guerrilha.
AGRUPAMENTO C - A Companhia de Cavalaria 488, do capitão Pato Anselmo, sobe o rio de Catunco a bordo de lanchas da Armada e, às nove da manhã do dia 16 de Janeiro, desembarca no ponto 13 da ordem de operações (ver mapa nestas páginas). A companhia vai reforçada com pelotões de pára-quedistas, de morteiros e de sapadores. Estas forças formam o Agrupamento B, comandado pelo capitão Cabral. Tomam Catunco Papel e Catunco Balanta sem oposição da guerrilha.
AGRUPAMENTO D - O Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, sob o comando do primeiro tenente Faria de Carvalho, desembarca à nove da manhã do dia 16, na costa leste de Catunco, nas margens do rio Cumbijã. Ocupa a tabanca de Cametonco, ainda nessa manhã, sem encontrar resistência.
Ao final da manhã do dia 16 de Janeiro, o comandante da Operação Tridente, tenente-coronel Fernando Cavaleiro, ainda está a bordo da fragata “Nuno Tristão”, nas águas do Sul da Guiné.
Tem razões para estar apreensivo: deram-se combates violentos em Cauane e um avião tinha sido abatido - o que demonstrara o poder de fogo da guerrilha. Ainda assim, tinha surpreendido os guerrilheiros. Desde a véspera da operação, peças de artilharia instaladas em Catió tinham flagelado todo o norte das ilhas de Caiar, Como e Catunco, o que fez crer que às forças do PAIGC que os desembarques iriam ocorrer nessa zona. O ataque da artilharia foi uma clássica manobra de diversão. Mas o resultou. De tal maneira que as tropas desembarcaram sem um tiro. Todas as forças estão agora colocadas no terreno. Mas o tenente-coronel Cavaleiro sabe que o pior está para vir.
Os 29 heróis da Operação Tridente
No final da ofensiva, o comandante da forças, Tenente-coronel Fernando Cavaleiro concedeu 29 louvores aos seus homens
A 17 de Janeiro de 1964, dois dias depois do desembarque nas ilhas de Caiar, Como e Catunco, todas as unidades ocupam posições de combate. Vai começam a segunda fase da Operação Tridente, que se prolongou até ao dia 24.
Segunda fase da Operação Tridente, de 17 a 24 de Janeiro de 1964
Ilha de Caiar
O Agrupamento A, constituído pela Companhia de Cavalaria 487 e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, sob o comando do major Romeiras, faz batidas em toda a ilha - principalmente ao redor das tabancas de Cumule e de Caiar e nas matas de Curijacó.
A nossa tropa monta emboscadas às forças da guerrilha. Sem resultado. A população abandonou as tabancas e, apesar dos salvo-condutos largados de avião nos dias anteriores, ninguém se apresentou aos portugueses.
São feitos alguns prisioneiros. E eles confessam que um grupo de guerrilha, pouco numeroso, fugira para procurar abrigo nas cerradas matas da ilha do Como - porque as matas pouco densas de Caiar não lhes dava protecção suficiente.
Durante as batidas levadas a cabo em Caiar, as tropas do Agrupamento B descobriram um número elevado de casas de mato, que tinham abrigado os guerrilheiros, consideráveis depósitos de arroz e numerosos rebanhos de vaca.
Ao longo destes dias, os soldados não provaram uma única refeição quente: alimentaram-se a rações de combate e nem sequer tinham água suficiente. O reabastecimento (de pão, água e munições) foi feito a dorso por carregadores indígenas, a partir da base logística, escoltados por um grupo de combate.
Ilha do Como
O Agrupamento B, comandado pelo capitão Ferreira e formado pela Companhia de Cavalaria 488 e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, instalou-se na tabanca de Cauane. Dia e noite, foi severamente flagelado por fogo da guerrilha. Por duas vezes, foi cercado e atacado por numerosos combatentes do PAIGC.
Apesar dos intensos ataques, o Agrupamento B conseguiu aliviar a pressão - e conseguiu penetrar na mata cerrada e traiçoeira, onde a visibilidade não ia além de escassos cinco metros. Os guerrilheiros responderam à investida com fogo nutrido: chegaram a utilizar em simultâneo três metralhadoras pesadas. O grupo da guerrilha, de acordo com o relatório confidencial do comandante da "Operação Tridente", tenente-coronel Fernando Cavaleiro, mostrou-se então "bem organizado, muito manobrador, dotado de grande agressividade e de considerável quantidade de munições".
Os combates na mata foram difíceis. Ainda assim, o Agrupamento B nunca deixou de progredir. Contou com o apoio de bombardeamento aéreo. As tropas do PAIGC sofreram bastantes baixas.
O reabastecimento fez-se nos primeiros dias exclusivamente por helicópteros. Apenas cinco dias após os desembarques, os reabastecimentos começaram a ser realizados por carregadores escoltados, em condições muito difíceis. Nos primeiros quatro dias, soldados e oficiais do Agrupamento B fizeram duas refeições - e mesmo assim de ração de combate. Passaram sede. Abriram poços, mas a agua era salgada e de péssima qualidade.
Ilha de Caiar
O Agrupamento A, constituído pela Companhia de Cavalaria 487 e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 7, sob o comando do major Romeiras, faz batidas em toda a ilha - principalmente ao redor das tabancas de Cumule e de Caiar e nas matas de Curijacó.
A nossa tropa monta emboscadas às forças da guerrilha. Sem resultado. A população abandonou as tabancas e, apesar dos salvo-condutos largados de avião nos dias anteriores, ninguém se apresentou aos portugueses.
São feitos alguns prisioneiros. E eles confessam que um grupo de guerrilha, pouco numeroso, fugira para procurar abrigo nas cerradas matas da ilha do Como - porque as matas pouco densas de Caiar não lhes dava protecção suficiente.
Durante as batidas levadas a cabo em Caiar, as tropas do Agrupamento B descobriram um número elevado de casas de mato, que tinham abrigado os guerrilheiros, consideráveis depósitos de arroz e numerosos rebanhos de vaca.
Ao longo destes dias, os soldados não provaram uma única refeição quente: alimentaram-se a rações de combate e nem sequer tinham água suficiente. O reabastecimento (de pão, água e munições) foi feito a dorso por carregadores indígenas, a partir da base logística, escoltados por um grupo de combate.
Ilha do Como
O Agrupamento B, comandado pelo capitão Ferreira e formado pela Companhia de Cavalaria 488 e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, instalou-se na tabanca de Cauane. Dia e noite, foi severamente flagelado por fogo da guerrilha. Por duas vezes, foi cercado e atacado por numerosos combatentes do PAIGC.
Apesar dos intensos ataques, o Agrupamento B conseguiu aliviar a pressão - e conseguiu penetrar na mata cerrada e traiçoeira, onde a visibilidade não ia além de escassos cinco metros. Os guerrilheiros responderam à investida com fogo nutrido: chegaram a utilizar em simultâneo três metralhadoras pesadas. O grupo da guerrilha, de acordo com o relatório confidencial do comandante da "Operação Tridente", tenente-coronel Fernando Cavaleiro, mostrou-se então "bem organizado, muito manobrador, dotado de grande agressividade e de considerável quantidade de munições".
Os combates na mata foram difíceis. Ainda assim, o Agrupamento B nunca deixou de progredir. Contou com o apoio de bombardeamento aéreo. As tropas do PAIGC sofreram bastantes baixas.
O reabastecimento fez-se nos primeiros dias exclusivamente por helicópteros. Apenas cinco dias após os desembarques, os reabastecimentos começaram a ser realizados por carregadores escoltados, em condições muito difíceis. Nos primeiros quatro dias, soldados e oficiais do Agrupamento B fizeram duas refeições - e mesmo assim de ração de combate. Passaram sede. Abriram poços, mas a agua era salgada e de péssima qualidade.
Ilha de Catunco
A Companhia de Cavalaria 489, comandada pelo capitão Pato Anselmo, bateu por varia vezes as zonas da tabancas de Catunco Papel e de Catunco Balanta - bem como todo Norte da ilha. Não encontraram qualquer grupo de guerrilheiros. Foi feito um prisioneiro, precisamente um chefe da guerrilha, que forneceu preciosas indicações sobre a organização das forças militares do PAIGC na ilha do Como. Este guerrilheiro foi abatido, já no final da operação, quando tentava fugir.
O Destacamento de Fuzileiros Especiais 2, sob ao comando do primeiro-tenente Faria de Carvalho, bateu toda a zona Sul da ilha de Catunco. Não encontrou guerrilheiros - mas descobriu depósitos de arroz e muito gado.
Terceira fase da “Operação Tridente”, de 24 de Janeiro a 24 de Março de 1964
Num primeiro momento, o comandante da operação, tenente-coronel Fernando Cavaleiro, libertou todas as forças empenhadas em Caiar e Catunco - e instalou-as em Caiar, precisamente onde os guerrilheiros estavam concentrados, de forma a apertar o cerco ao redor da mata de Cassaca.
A Companhia de Caçadores 557 e o Destacamento de Fuzileiros Especiais 7 desembarcaram no "ponto 8" (ver mapa), no Norte da ilha do Como. Em Cauane, as nossas tropas passaram a contar com três companhias de Cavalaria (a 487, a 488 e a 489) e um pelotão de Morteiros. Os Destacamento de Fuzileiros Especiais 8, o grupo de Comandos e o pelotão de pára-quedistas - passaram a constituir um força de reserva do comando da operação.
Foi nesta última face que se travaram os combates mais intensos. Os guerrilheiros, ainda em grande número, estavam bem armados e instruídos. Instalados na mata densa ao redor de Cassaca, que lhe conferia grande protecção, vigiavam as entradas - e, dotados de grande agilidade, faziam deslocar rapidamente forças para reforçar uma das suas posições debaixo do fogo português. A guerrilha demonstrou nestes embates grande mobilidade e considerável capacidade de manobra - de tal maneira que as nossas tropas sentiram enormes dificuldades. As unidades de combate portuguesas quase foram surpreendidas pela táctica empregue pelos guerrilheiros: "As forças inimigas tentaram sempre o cerco de núcleos pequenos das nossa tropas e combinavam acções de movimento com tiro flanqueante ou frontal de metralhadoras pesadas e ligeiras como deixou claro o comandante da "Operação Tridente, tenente-coronel Fernando Cavaleiro, nos relatórios finais que enviou para o Comando-chefe da Guine.
Os portugueses conseguiram internar-se progressivamente na mata, pelo Sul, pelo Norte e pelo lado Este. A artilharia e a força aérea bombardeavam à noite pontos suspeitos na mata - o que provocava grande insegurança às forças da guerrilha. A nossa tropa localizou e destruiu dois grandes acampamentos das forcas do PAIGC, algumas casas de mato, abrigos e depósitos de arroz. Foram arrasadas as tabancas de Cauane, S. Nicolau, Curcó, Cassaca, Samane, Uncomené, Cachida e Cachil. O mais violento dos combates, na mata de Cassaca, decorreu entre as seis da manha até às quatro da tarde, com pequenos intervalos.
A 24 de Marco, ao fim de 71 dias de operação, o tenente-coronel Fernando Cavaleiro podia cantar vitoria. Os grupos de guerrilha, incapazes de susterem os ataques portugueses, estavam em fuga. Foram arrasadas praticamente todas as tabancas das ilhas de Caiar, Como e Catunco.
Os combates tinham custado às nossas tropas 9 mortos, 47 feridos e 193 evacuados por doença. Ficou escrito nos relatórios: “Mais uma vez se verificaram as extraordinárias qualidades do nosso soldado. Apesar de pessimamente instalados em abrigos, vigilantes dia e noite, de terem tornado parte em inúmeras operações, de durante 23 dias se alimentarem exclusivamente da mesma ementa de ração de combate a base de conserva, de durante os restantes 48 dias apenas terem comido uma refeição quente, apesar da falta de água para beber, para banhos e lavagem de roupa - a tudo resistiram, mostrando assim um verdadeiro e inigualável poder de adaptação e espírito de sacrifico”.
Spínola adia a derrota
Nos anos que se seguiram à "Operação Tridente", a guerra na Guiné correu dura, mas com vantagem para os portugueses. A partir de 1967 sofre então um claro agravamento. O governador e comandante-chefe, general Arnaldo Schultz, apesar de ter recebido consideráveis reforços, é incapaz de travar a progressão da guerrilha - que, em 1968, passa a controlar amplas zonas do território. As tropas portuguesas deixam de jogar ao ataque: perderam a iniciativa da guerra e não levantaram a cabeça das posições defensivas. A situação é desesperada.
Por risco de uma derrota militar, o Governo reage: o Conselho de Ministros manda regressar a Lisboa o general Arnaldo Schultz e faz avançar o brigadeiro António de Spinola. O homem do monóculo, nomeado governador e comandante-chefe. chega a Bissau em Maio de1968. Nada na Guiné continuou como dantes.
Spinola, que ganhara fama com comandante militar a frente do Grupo de Cavalaria 345, no Norte de Angola, estava consciente de que a guerra de África era de natureza politica - e, como todas as guerras subversivas, não tinha solução militar. Esta consciência leva-o a fazer profundas mudanças: como governador, mudou a politica; como comandante-chefe, mudou a estratégia.
Num primeiro momento, altera o dispositivo militar e tenta ganhar a iniciativa da guerra. Com êxito. São criadas "zonas de intervenção do comando-chefe"; em áreas de forte domínio da guerrilha do PAIGC, onde apenas as unidades especiais passam a realizar operações de curta duração e de grande violência, com o apoio da aviação e da artilharia - sempre sob o comando directo do "Velho", como os combatentes carinhosamente chamavam a Spinola. Serviam estas operações para destruir ou causar instabilidade nas forças inimigas - mas, sobretudo, para demonstrar a superioridade militar portuguesa às populações.
A par da demonstração de força, Spinola pôs em marcha um ousado projecto politico de conquista das populações - plano traduzido no "slogan" "Uma Guiné Melhor" e que consistia em ouvir os guineenses e dar-lhes condições de vida. Nasceram os Congressos do Povo, verdadeira manifestação de democracia directa numa colónia de um Regime sem liberdade.
O brigadeiro Spinola conseguiu uma reviravolta nos confrontos travados na Guiné. Os militares portugueses, que nem respiravam debaixo do poder de fogo da guerrilha, passaram a ganhar duras batalhas. A sorte da guerra, nos finais de 1969, era-nos francamente favorável.
Mas o velho cabo-de-guerra sabia que não tinha tempo a perder: teria de encontrar quanto antes uma solução politica para o conflito. Iniciou conversações com Leopold Senghor, Presidente do Senegal, o respeitadíssimo líder africano pro-ocidental. Spinola queria chegar a Amílcar Cabral. O governador e comandante-chefe estava convencido de que importantes quadros do PAIGC podiam abandonar o partido e aderir à nova politica de "Uma Guiné Melhor" - meio caminho andado para forçar Cabral a negociar o fim da guerra.
Três majores (Passos Ramos, Pereira da Silva e Magalhães Osório - todos com sobejas provas dadas em combate) acreditaram que era possível fazer a paz. Montaram uma rede de informações conseguiram chegar a fala com dirigentes do PAIGC. Reuniram-se com eles pelo menos duas dezenas de vezes. No dia 20 de Abril de 1970 partiram desarmados para mais um encontro, em Jolmete. Spinola estava para ir mas, por uma qualquer razão providencial, acabou por ficar em Bissau.
Os três majores foram ao encontro da morte. Uma facção do PAIGC não perdoou esta manobra de levar homens seus a deserção: esperou traiçoeiramente os militares portugueses e matou-os à catanada. Os corpos de Passos Ramos, Pereira da Silva, Magalhães Osório e de dois acompanhantes foram encontrados horrivelmente mutilados.
A execução dos três majores revela a insegurança de pelo menos parte da cúpula dirigente do PAIGC perante a politica de Spinola - de outro modo os oficiais portugueses teriam sido feito prisioneiros e exibidos como troféus.
Spinola, já com as estrelas de general nos ombros, não desiste de encontrar uma solução para a guerra. Em Maio de 1972, encontra-se em Cap Skining, em pleno Senegal, com Leopold Senghor, que aceitara o papel de intermediário com o PAIGC.
Spinola mete-se no avião e vem a Lisboa. Traz um plano sério para acabar com a guerra. É recebido pelo Presidente do Conselho, na última semana de Maio de 1972. Marcello Caetano, cegamente, rejeita sem apelo nem agravo o plano de paz, com o argumento de que era preferível uma derrota militar com honra a um acordo negociado com terroristas. O cabo-de-guerra volta amargurado e ofendido a Bissau. Perdera as ultimas ilusões sobre a abertura marcelista. Resolve passar a livro a solução que amadurecera para o problema das colónias. E pede ao Governo que dê por terminada a sua comissão na Guiné. O livro, “Portugal e o Futuro" foi publicado em Fevereiro de 1974 - e abriu caminho ao golpe que a 25 de Abril acabou com o regime.
BIBLIOGRAFIA
OS ANOS DA GUERRA COLONIAL (1961 - 1974)
Manuel Caetano - Jornal 24 Horas
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