terça-feira, 30 de junho de 2009

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Eleições presidenciais
Abstenção atinge 40%
A taxa de abstenção nas eleições presidenciais da Guiné-Bissau, realizadas no passado domingo, poderá chegar aos 40 por cento, segundo dados avançados ontem pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE). As fortes chuvadas e a recorrente situação de instabilidade no país terão sido os principais factores a contribuir para o alheamento dos eleitores.
"A taxa de participação foi baixa em relação às legislativas de Novembro passado", admitiu o porta-voz da CNE, Orlando Viegas, logo após o fecho das urnas. Com efeito, cerca de 40% dos quase 600 mil eleitores registados terão ficado em casa. Comparativamente, nas legislativas de Novembro a taxa de abstenção foi de 18%.
Segundo a CNE, a elevada taxa de abstenção poderá apressar a contagem dos votos, esperando-se que até quinta-feira sejam divulgados os resultados oficiais. Se nenhum dos principais candidatos – Malam Bacai Sanhá (PAIGC), Kumba Ialá (PRS) e Henrique Rosa (independente) – conquistar 50% dos votos mais um, realizar-se-á uma segunda volta, agendada para 2 de Agosto.
O Governo português saudou ontem a forma "tranquila e cívica" como decorreu a primeira volta.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

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Observadores das presidenciais confirmam normalidade
Eleições pacíficas com fraca adesão
A votação de ontem para escolher o novo presidente da Guiné-Bissau decorreu com normalidade mas sem grande afluência de eleitores. A Comissão Nacional de Eleições confirmou o alheamento dos cidadãos, mais notório na capital, Bissau.
A normalidade do processo eleitoral foi confirmada pelas missões de observadores estrangeiros, nomeadamente da CPLP, da União Europeia e da União Africana e da CEDEAO, Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental. "As informações que nos chegam são muito abonatórias", afirmou o são-tomense Albertino Bragança, chefe da missão da CPLP.
As eleições antecipadas, destinadas a eleger o sucessor de Nino Vieira – assassinado no início de Março, horas depois do homicídio do chefe das Forças Armadas, Tagmé Na Waié –, foram ensombradas por nova violência quando, a apenas dois dias do início da campanha eleitoral, o candidato Baciro Dabó e o antigo ministro da Defesa Hélder Proença foram mortos.
Num país onde as sondagens são proibidas, um estudo informal on-line deu a vitória ao independente Henrique Rosa, mas os observadores acreditavam que o vencedor seria decidido, numa segunda volta, entre Malam Bacai Sanhá, do PAIGC, partido maioritário no Parlamento, e Kumba Ialá, fundador do PRS – Partido da Renovação Social.
KUMBA IALÁ JÁ CELEBRA VITÓRIA
O candidato do Partido da Renovação Social (PRS), principal partido da oposição, pediu ontem aos seus apoiantes para celebrarem desde já a vitória. Pouco depois de votar, em Gabú, junto à fronteira com o Senegal, Kumba Ialá considerou que o escrutínio apenas servirá para confirmar o que sempre afirmou: "Não tenho adversário nestas eleições."
Em entrevista à rádio Galáxia, de Pindjiguti, o líder da oposição falou já como chefe de Estado para assegurar que a sua eleição vai representar a "mudança na Guiné-Bissau", levada a cabo "por uma nova geração de políticos". Em contraste com o optimismo do candidato, poucos esperam a declaração de vitória de um dos outros dez candidatos antes da segunda volta.
PORMENORES
INDUTA PEDE CIVISMO
O chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Guiné, Zamora Induta, apelou ontem à calma e ao civismo até à fase final, "e mais delicada", do processo eleitoral, a divulgação dos resultados.
PROCESSO TRANQUILO
As urnas encerraram ontem na Guiné-Bissau à hora prevista, 17h00 (mais uma hora em Lisboa), após dez horas de votação sem incidentes.
ZONAS RURAIS ALHEADAS
Nas zonas rurais do Interior do país, muitos eleitores preferiram continuar as tarefas diárias nos campos a deslocar-se às urnas.
DABÓ NOS BOLETINS
O nome do candidato independente Baciro Dabó, assassinado no início de Junho, foi mantido nos boletins de voto, bem como o de Pedro Infanda, que desistiu da candidatura. Os votos nestes candidatos serão contabilizados como nulos.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

NOTÍCIAS



Fim da jangada

Inaugurada a ponte Euro-Africana sobre rio Cacheu

O Presidente da República, Raimundo Pereira, inaugurou sexta-feira, 19 de Junho, num ambiente de grande festa, a Ponte Euro-Africana em São Vicente sobre o rio Cacheu, no norte da Guiné-Bissau.A nova ponte é encarada como uma infra-estrutura de vulto que pretende facilitar o trânsito das mercadorias importadas diariamente dos países vizinhos, Senegal e da Gâmbia.Apesar do enorme tráfego de produtos oriundos do Senegal e da Gâmbia a travessia do rio Cacheu não permitia o desenvolvimento deste fluxo apenas garantido por jangada que assegurava a travessia, até à quarta-feira, dia em que estava reservada ao público.O estado precário da jangada já não permitia assegurar com regularidade e segurança o transporte através de camiões de uma margem para outra, provocando significativos atrasos. A ponte inaugurada permitirá aumentar o tráfego de produtos, alimentares e domésticos, para a Guiné-Bissau, rendendo ao Estado guineense milhões de francos Cfa, através dos serviços aduaneiros.Para o representante da União Europeia na Guiné-Bissau, embaixador Franco Nully, «a construção desta infra-estrutura rodoviária, não resolve por si só, os problemas da Guiné-Bissau. Estes resolvem-se com boas políticas de governação e com a construção de um clima de paz, de unidade e da estabilidade».A cerimónia da inauguração da ponte Euroafricana, contou com as presenças do Secretário Executivo da CPLP, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Gâmbia, Ministro da Defesa do Senegal, Representante da UEMOA e do Presidente da Republica interino Raimundo Pereira. Características: A ponte tem 730 metros, duas faixas de circulação com 3,5 metros e dois passeios de 1,50 metros de largura. A profundidade dos pilares no rio oscilam entre 42 a 75 metros, construídos em betão armado de 1,60 m de diâmetro, cofrados com tubos metálicos da mesma profundidade

segunda-feira, 15 de junho de 2009

NOTÍCIAS


«É perigoso que todas as vozes relevantes se calem acomodadas»
Afirma Marcolino José Carlos Moco, um angolano de corpo e alma que, para além de primeiro-ministro, também foi governador das províncias do Huambo e Bié, Secretário-Geral do MPLA e Secretário-Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
Sempre deu o corpo ao manifesto. Para quê? Para ajudar o MPLA a implementar o seu programa de Governo. Mas, quando menos esperava, o líder do partido para o qual milita desde os 20 anos de idade apeou-o inopinadamente do poder e, como paga, virou-lhe as costas. A ligeireza do click do teclado do computador, ligado à Internet, viabilizou a presente entrevista com Marcolino José Carlos Moco que nos serve, já a seguir, uma sobremesa de criticas, observações e chamadas de atenção sobre o estado do Estado angolano.


ver entrevista



sábado, 13 de junho de 2009

DEPOIMENTOS

SPÍNOLA EM BISSAU
As armas e a razão

Ficou célere no comando do Batalhão 345 em Angola, para onde foi voluntário em 1961, pelo seu carisma e pela sua valentia. Salazar enviou-o para Bissau, em Maio de 1968, quando a situação era dramática: o PAIGC, bem dirigido por Amílcar Cabral, apoderara-se de áreas significativas. Entrou deforma leonina no quartel-general de Bissau. Depurou, reorganizou, levantou o moral dos combatentes, rodeou-se de uma equipa imaginativa que o seguia fielmente e que nele condensou mais tarde as esperanças de um chefe à maneira do general Charles de Gaulle. De 1968 a 1972 tentou contrariar a eficácia de doutrinação e de combate do PA IGC, até se convencer da necessidade de uma saída através de conversações. Lançou uma obra governativa, explorar as dissensões entre etnias, estimulou a difusão da sua imagem até se tornar um caso de popularidade no País e no estrangeiro. As directivas secretas que a seguir se reproduzem ilustram o início da sua cruzada: usar melhor as armas mas ganhar os povos pela razão.
António Sebastião Ribeiro de Spínola, governador e comandante-chefe da Guiné então com 58 anos de idade, acreditou seriamente na sua capacidade de fazer a diferença e no seu próprio mito
.
A mudança para Cheche das tropas estacionadas em Medina do Boé deveria permitir efectuar operações dinâmicas.
Na região de Aldeia Formosa e no corredor de Guilege mudavam-se os dispositivos em ordem a organizar tabancas autodefendidase concentrar meios. Também em Sangonhá-Cacoca, Cantanhez e Empada tinha de haver ajustamentos antes da época das chuvas. A companhia da ilha do Como seria recuperada e ia-se defender a ilha de Bissau com um comando de agrupamento.
Remodelação do dispositivo da região do Boé.
1 É intenção do comando-chefe remodelar com a maior brevidade o dispositivo das Nossas Tropas (NT) na região do Boé transferindo o aquartelamento de Medina para local mais adequado na região do Cheche.
2 Confirma-se a ordem verbal dada ao comando Territorial Independente da Guiné (CTIG) no sentido de recolher imediatamente a Madina do Boé o destacamento de Béli, devendo ser destruídas as instalações e material que não for recuperável.
3 O CTIG e o Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (CZACVG) procederão imediatamente a um reconhecimento da região do Cheche, em ordem a escolher o local do novo aquartelamento, que deverá satisfazer as seguintes condições:
a) Situar-se em área-chave da região de Cheche, que permita o lançamento de acções dinâmicas na região do Boé e na margem norte do rio Corubal, e, se possível, que dê garantias de segurança à passagem deste rio no Cheche (jangada);
b) Ter uma boa pista de aterragem para aviões Dakota;
c) Oferecer boas condições de defesa do aquartelamento, que deve ser planeado com vistas a transformar-se numa grande base operacional.
4. Desejo deslocar-me à região conjuntamente com os elementos que forem estudar o problema.
5. Desejo ser informado sobre a possibilidade de realizar esta transferência durante a época das chuvas. Bissau, 8 de Junho de 1968. O comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.1)
Remodelação do dispositivo da área de Aldeia Formosa.
Confirmam-se as directivas verbais dadas na reunião efectuada no Quartel-General do CTIG em 031600 JUN nomeadamente:
a) Deve ser estudada imediatamente a remodela-ção do dispositivo das NT na região de Aldeia Formo-sa, por forma a obter o rápido reordenamento e instalação das tabancas em autodefesa. respeitando-se o princípio da concentração de meios;
b) Este estudo dever-me-á ser presente com a maior urgência, para que o reordenamento se faça ainda antes da época das chuvas, aproveitando-se o actual clima psicológico favorável das populações. Bissau, o comandante.chefe António Sebastião Ribeiro de Spinola, brigadeiro.2)
Reajustamento do dispositivo no corredor de Guilege. O CTIG, ouvido o comando local, deverá estudar-se a possibilidade de reajustar a curto prazo, o dispositivo das NT no corredor de Guilege, à luz do princípio da concentração de meios. Bissau, o comandante-chefe. António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.3)
Reajustamento do dispositivo nas áreas de Sangonhá-Cacoca e Cantanhez
1. O CTIG estudará. Em colaboração com o comando local, as possibilidades de recuperar a companhia implantada na área de Sangonhá-Cacoca, proponde soluções atinentes a resolver problemas locais de populações.
2. Procederá de igual modo em relação à companhia implantada na área de Cabedú. Bissau, o comandante-chefe António Sebastião Ribeiro de Spinola, brigadeiro.4)
Reajustamento do dispositivo na região de Empada.
1. Da visita efectuada no dia 5 do correr à companhia implantada na área de Empada, concluiu-se da necessidade de reajustar o dispositivo das NT na referida área, à luz do princípio da concentração de meios.
2. Ouvido o comando local o CTIG providenciará em conformidade, no sentido do reajustamento se efectuar antes da época das chuvas. Bissau, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spinola, brigadeiro.5)
Retirada da companhia instalada na ilha do Como.
1. É intenção deste comando recuperar a companhia instalada na ilha do Como
2. O CTIG estudará a possibilidade de retirar a referida companhia a curto prazo, estudando todas as implicações resultantes deste movimento, nomeadamente o seu enquadramento numa operação a realizar na data do abandono da ilha. O planeamento desta operação compete à Força Aérea. Bissau, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.6)
Intersecção das penetrantes de Sambuiá e Sitató.
1. Da visita que realizei ao Sector 03 ressaltou a possibilidade de intersectar as penetrantes em epígrafe nos locais de «cambança» no rio Cacheu.
2. Julga-se que o sistema mais eficaz de intersectar as referidas penetrantes será através dum patrulhamento móvel contínuo do referido rio, com base na instalação de um destacamento naval, em local apropriado.
3. Nesta base, o Comando da Defesa Marítima da Guiné, em colaboração com o CTIG, estudará o problema propondo a solução adequada. Bissau, 11 de Junho de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.7)
1. Da visita realizada ao comando do Agrupamento Sul, concluí que este comando de agrupamento é dispensável.
2. Em contrapartida, julgo da maior urgência entregar a um comando de agrupamento a defesa da ilha de Bissau.
3. Nestas condições, deve ser transferido com a maior urgência para Bissau o comando do Agrupamento Sul, passando os batalhões respectivos a depender directamente do CTIG e voltando o Sector S4 a ficar integrado no Sector S1.
4. Considerando o melhor aproveitamento dos respectivos comandantes, determino: a) que o coronel de Artilharia Tristão de Araújo Leite Bacelar passe a comandar o Agrupamento de Oeste, b) que o tenente-coronel de Infantaria José Martiniano Moreno Gonçalves passe a comandar o Agrupamento de Bissau.
5. Considerando a necessidade de se começar imediatamente a estudar o problema da defesa da ilha de Bissau, deve ser mandado apresentar nesta cidade, com a maior urgência, o tenente-coronel Martiniano. Bissau, r9 de Junho de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.8)
Reajustamento do dispositivo da região de Empada
Considerados os vários pareceres elaborados pelo CTIG relativos ao reajustamento do dispositivo na região de Empada, determino:
1. Que sejam abandonados os aquartelamentos de Ualada e de Gubia;
2. Que estes aquartelamentos sejam destruídos;
3. Que as tropas dos aquartelamentos abandonados se encontrem em Empada;
4. Que o GGomb/CCAÇ 1791 recolha à sua subunidade. Bissau, 22 de Junho de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.9)
O ritual da flâmula de honra devia cessar: era absurdo atribuir 100 pontos negativos a cada morto em combate. As tropas chegadas a Bissau eram logo enfiadas em lanchas, rumo ao seu objectivo, como se fossem gado, e às vezes juntamente com explosivos. Spínola queria a partir daí passar revista aos expedicionários e exortá-los. Recuperar a disciplina foi outra vertente: havia que retomar as ligações orgânicas das unidades e sistematizar, dando continuidade, as missões atribuídas a cada unidade.
Flâmula de honra do CTIG. Considerando que em campanha o espírito de missão se deve sobrepor a todos os aspectos secundários que estão na base do regulamento da flâmula de honra do CTIG; considerando que é manifestamente inconveniente, do ponto de vista psicológico, materializar o rendimento operacional das unidades em dados estatísticos sem significado prático; considerando que a atribuição de pontuação negativa (100 pontos) a cada elemento morto em combate é a negação do espírito ofensivo que deve caracterizar as acções de contraguerrilha considerando que a finalidade da flâmula de honra do CTIG não foi atingida, e que, antes pelo contrário, a sua permanência se revela manifestamente inconveniente determino que:
1. Termine desde já a flâmula de honra do CTIG.
2. No final do corrente mês seja a flâmula de honra atribuída no mês findo.
3. A presente directiva seja levada ao conhecimento de todos os comandos até ao escalão companhia. Bissau, o com António Sebastião Ribeiro Spinola, brigadeiro. 10)
Chegada das unidades da Metrópole
1. A tropa combatente queixa-se com razão, de que à sua da Metrópole são recebidos de uma forma pouco digna e desmoralizante, passando directamente do barca para as lanchas que os conduzem para os diversos locais da Província como se tratasse-se de um «transporte de gado».
2. Acresce ainda que esse transporte se realiza em massa, sem as necessárias medidas de segurança, constituindo as lanchas objectivos altamente rendosos para o Inimigo (IN). Salienta-se que, muitas vezes, os batalhões têm sido transportados em massa juntamente mente com munições de artilharia e outros explosivos.
3. Pode-se afirmar que só por mera sorte não sofremos, até ao presente. de um desastre de grande projecção com algumas dezenas de mortes, com os mais graves reflexos de ordem material e moral.
4. Nestas condições, há que tomar imediatamente medidas para alterar o sistema, com vista já à primeira unidade que chega da Metrópole.
5. Reconhece-se que o problema não é fácil, mas tem de ser resolvido, e rapidamente.
6. É meu desejo passar revista às unidades que chegam da Metrópole e fazer-lhes uma exortação
7. O CTI e o CDMG estudarão, com a urgência, as medidas a tomar para a resolução deste problema, que o comando-chefe reputa fundamental, do ponto de vista de segurança e de moralização da tropa combatente. Bissau, 24 de Junho de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.11)
Desrespeito pelos laços orgânicos das unidades
1. Nas visitas que venho efectuando às unidades do CTIG verifiquei que não são respeitados os laços orgânicos das unidades, das subunidades e até dos grupos de combate. Há comandos de batalhão que têm as suas companhias dispersas por vários sectores. Há comandos de companhia que nomeiam por escala os comandantes dos destacamentos independentemente dos respectivos grupos de combate, sendo por vezes aqueles destacamentos constituídos por secções pertencentes a grupos de combate diferentes. Há ainda companhias desfalcadas de grupos de combate que se encontram atribuídos de reforço a outras subunidades, e algumas há que cederam os seus grupos a outras subunidades e se encontram reforçadas por grupos de combate estranhos.
2. Este sistema de nomeação, com o total desrespeito pelos laços orgânicos, afecta muito sensivelmente o espírito de corpo das unidades, que este comando considera factor básico do bom rendimento operacional duma tropa combatente.
3. Nestas condições, em espírito, devem ser respeitados os laços orgânicos das unidades e, obviamente, banido todo o critério de nomeação que afecta aqueles laços. 4. Esta directiva deve ser difundida até ao nível companhia. Bissau, 14 de Julho de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro. 12)
Continuidade de acção das unidades.
1. O sistema de rotação de unidades que vem sendo adoptado pelo CTIG satisfaz como solução justa, no que respeita à divisão equitativa do esforço do pessoal, mas tem o grave inconveniente de afectar muito sensivelmente a continuidade de acção das unidades, e consequentemente o rendimento operacional do conjunto.
2. Há que fortalecer o espírito de missão das unidades. Uma unidade desembarcada da Metrópole - depois de um curto período de instrução operacional - deve entrar em sector e receber uma missão. Esta missão traduz-se, em última análise, no domínio da zona de acção que lhe foi atribuída, do ponto de vista do controlo e defesa da população e da eliminação dos grupos IN, conforme as características da respectiva zona de acção. É evidente que, quanto maior for a permanência das unidades na respectiva zona de acção, maior será o seu rendimento operacional.
3. Assim, em princípio, as unidades devem permanecer, durante toda a sua comissão, hipotecadas ao cumprimento da mesma missão, só sendo de admitir a sua substituição por motivos de excepção, de ordem operacional ou manifesto depauperamento físico. Bissau, 15 de Julho de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.13)
Objectivos ambiciosos de Spínola: cortar os pontos de reabastecimento do PAIGC, subtrair-lhe os apoios entre as populações e eliminar a sua presença nas áreas mais ricas, tornar-lhe a vida difícil até ao ponto de perder a vontade de lutar. Para tal começava por dividir a Guiné em áreas: a azul, de domínio português; a amarela, de duplo domínio; a vermelha, de domínio do PAIGC.
Estudo da remodelação do dispositivo da Guiné.
I. Generalidades.
Dispositivo é a articulação dos meios para o cumprimento de uma missão, segundo uma ideia de manobra. E, como a ideia de manobra evolui, no espaço e no tempo, com as reacções do IN, o dispositivo tem necessariamente de ser flexível por forma a acompanhar a evolução da conduta da manobra ou alteração da própria ideia de manobra. O dispositivo deve obedecer aos seguintes requisitos: materializar a ideia de manobra; respeitar os princípios básicos da doutrina.
II. Esboço da manobra. 1. Ideia geral. É minha intenção: cortar os eixos dos reabastecimentos do IN; subtrair-lhe a população e as áreas economicamente mais ricas; e tornar-lhe a vida insustentável no território nacional, até que perca a vontade de combater. Para tanto, impõe-se dividir o Teatro de Operações (TO) em áreas bem definidas, nomeadamente: áreas com população sob o nosso controlo (área azul); áreas com população sob duplo controlo (área amarela) que em função da reacção futura da população se transformarão em áreas azuis ou em áreas vermelhas: áreas para aniquilar o binário «população-IN» (área vermelha).
2. Esquema da manobra. Exercer o esforço de contra-penetração nas zonas fronteiriças, sobre os corredores de Sambuá, Sitató, Canja, Guilege. Exercer o esforço de defesa das populações no «chão» dos fulas, dos manjacos e dos felupes (reordenamento, auto-defesa, socorro por intervenção das NT, etc.). Exercer o esforço de acção psicológica sobre os manjacos, balantas, e mandingas do «chão» fula, com prioridade pata os primeiros. Exercer o esforço de aniquilamento, inicialmente, na área de Bianga-Mata-Pecau-Casciana-Churo-Jol-Có, adensando desde já o dispositivo nesta região, a fim de aliviar a pressão do IN sobre a região dos manjacos; e, ulteriormente, na área a leste da primeira, entre os rios Cacheu e Mansoa, englobando a região do Oio. Economizar meios nas regiões a sul dos rios Geba e Corubal, com excepção da região de Quinara, tomando naquelas regiões uma atitude defensiva. Exercer uma acção dinâmica e permanente de contraguerrilha nas restantes regiões a atribuir às forças terrestres. Reservar as áreas que ultrapassem as possibilidades dos meios terrestres, para acções de intervenção ao nível do comando-chefe. Reorganizar os comandos das forças terrestres, mantendo um comando de agrupamento (tipo normal) no Sector Leste, com sede temporária em Nova Lamego; criando um comando de agrupamento para o Sector de Bissau; ficando os sectores Oeste e Sul na dependência directa do CTIG.
3. Confirmação e completamente de determinações anteriores. Independentemente dos reajustamentos a efectuar com base no esboço da manobra expresso na alínea anterior, confirmam-se e completam-se as determinações anteriores, escritas ou verbais, relacionadas com a remodelação do dispositivo, nomeadamente: Transferir o estacionamento de Madina do Boé para a região de Cheche Norte a norte do rio Corubal, garantindo a passagem do rio. Remodelar o dispositivo na região de Aldeia Formosa, dentro do princípio da economia de meios. Desocupar as áreas de Sangonhá e Cacoca, transferindo a companhia ali estacionada para o Sector Leste. Remodelar o dispositivo na região de Empada, abandonando os estacionamentos do Gubia e Ualada. Desocupar a ilha do Como, transferindo a companhia ali estacionada para o Sector Leste. Reajustar o dispositivo na área de Cabedú, hipotecando àquele estacionamento o mínimo de forças necessárias para a sua defesa, recuperando uma companhia. Reduzir a zona de acção da companhia estacionada em Jolmete e recolher à sede daquela companhia o pelotão destacado em Pelundo, passando esta localidade a depender de Teixeira Pinto. Reajustar o dispositivo da companhia de Xime, dentro do princípio da concentração de meios, reagrupando as forças estacionadas em Ponta do Inglês e Samba Silate. Rever a localização da companhia com sede em Mansambo, e ocupar Galomaro com efectivo de valor que permita exercer uma acção dinâmica. Remodelar o dispositivo da companhia com sede em Geba, dentro do princípio da concentração de meios. Reajustar os limites entre as companhias de Xime (destacamento de Finete) e de Porto Gole (destacamento de Enxalé). Reajustar o dispositivo da companhia com sede em Quelifá, recolhendo aquela companhia e pelotão destacado em Ponate, e rectificar o limite das zonas de acção das companhias de Canquelifá e Piche. Reajustar o dispositivo do batalhão de Nova Lamego, em ordem a possibilitar uma acção dinâmica permanente na área de Chanha. Transferir, em fase ulterior, os estacionamentos das NT de Gandembel e Guilege, para Salancaur e Nhacobá, devendo proceder-se, desde já, ao estudo da localização e das vias de comunicação.
III. Missão genérica das forças em sector. As forças em sector podem competir, no todo ou em parte, entre outras, as seguintes missões genéricas: Exercer o controlo da população, estabelecendo contactos, permanentes e activos, por forma a realizar uma acção psicológica dinâmica e eficiente. Efectuar acções permanentes de contraguerrilha em toda a zona de acção que lhe for atribuída, contra o IN referenciado e suas instalações, por forma a aniquilá-lo ou a tornar-lhe a vida impossível. Opor-se em permanência, à infiltração do IN através das zonas de fronteira, vigiando continuamente as prováveis linhas de trânsito clandestino. Efectuar acções de reconhecimento em toda a zona e acção atribuída. Apoiar as autoridades administrativas e os serviços oficiais da Província, em todas as acções que visem a contra-subversão. Assegurar a autodefesa das povoações (tabancas), socorrendo-as quando atacadas. Exercer uma campanha psicológica sobre o IN. Assegurar a posse e garantir a segurança de áreas de interesse económico. Defender pontos sensíveis. Proteger as vias de comunicação, assegurando a liberdade de movimentos. Pesquisar notícias sobre o IN e dados sobre o terreno e populações.
IV. Princípio doutrinários a respeitar. O TO da Guiné deve, tanto quanto possível, ser compartimentado em função da fase de subversão em que se encontram as diversas regiões da Província, sem todavia deixar de se atender a condicionamentos de natureza física, económica e militar. Assim, os diversos compartimentos apresentarão necessariamente características diferenciadas. A cada um deles - sectores e zonas de acção de companhia - deve ser atribuída uma força de valor ajustado à missão específica que lhe for atribuída, e por cujo integral cumprimento é responsável o respectivo comandante. Reconhece-se que o estudo do problema não é fácil, porquanto no seu equacionamento interferem diversos factores de valor variável, os quais por sua vez reagem entre si também com valores variáveis e, por vezes, em sentidos contrários. Enumeram-se alguns aspectos que condicionam a implantação de um dispositivo de contra-subversão:
1. Na guerra subversiva o objectivo principal dos dois partidos em presença é a conquista das populações, o terreno vale pela população que nela está implantada. Assim, a ocupação das áreas sem população não tem significado prático imediato. À luz desses princípios doutrinários, essas áreas deveriam ser abandonadas em benefício das áreas ocupadas pelas populações, ficando as primeiras entregues à Força Aérea, não se excluindo todavia a hipótese de nelas se realizarem acções de tipo «golpe de mão» sempre que surjam oportunidades remuneradoras. Dentro desta orientação, deve apenas hipotecar-se estas zonas o mínimo possível de meios, a que devem ser atribuídas missões estáticas (missão de soberania).
2. Ao compartimentar o TO deve ter-se em consideração o grau de evolução da subversão nas diversas regiões da Província, que, em última análise, se objectiva do de reacção do binário população-IN.
Neste aspecto, as áreas do TO podem apresentar-se com as seguintes características: a) Com população controlada pelas Nossas Forças (NF): sem reacções favoráveis (fulas, felupes e bijagós); com reacções sob reserva (manjacos); com reacções suspeitas (ilhas de Bissau e de Bolama). b) Com população sob duplo controlo: com o IN presente na área; com o IN itinerante. c) Com população controlada pelo IN; sujeita a coacção (recuperável); totalmente identificada com o IN (irrecuperável). d) Sem população: e sem actividade do IN; e com actividade do IN.
3. As missões visam a consecução duma finalidade a atingir e esta varia de zona para zona consoante as reacções do binário população-IN.
4. Diferenciar bem as missões de natureza estática das missões de natureza dinâmica. Às primeiras deve corresponder forças de fraco efectivo, cujo potencial defensivo é aumentado com a organização do terreno (é uma troca de homens por «cimento» e armamento adequado à defesa). Às segundas devem corresponder forças de valor mínimo de companhia, a fim de possibilitar a permanência de acção dinâmica na respectiva área.
5. Ter sempre presente que concentrar meios aumenta possibilidade da acção dinâmica e que a dispersão é um hipotecar de forças ao estatismo. A existência de forças de pequeno efectivo só se justifica se lhe for atribuída uma missão estática de defesa de pontos sensíveis, ou de pequenos núcleos populacionais com o fim de os moralizar ou reforçar a sua autodefesa.
6. Adensar o dispositivo nas zonas de esforço, com forças em missão dinâmica, em detrimento das zonas consideradas de interesse secundário. Estas últimas devem ser guarnecidas com forças em missão estática.
7. O valor da força (efectivo/meios de fogo) deve ser fixado em função dos seguintes factores principais: características da missão (dinâmica ou estática); tipo de reacção do IN na área (reacção em força ou reacção fugindo ao combate); extensão da área de responsabilidade e natureza do terreno; valor da população e seu comportamento.
8. As ZA das unidades devem ser fixadas em função da possibilidade do comando responsável cumprir integralmente a sua missão. Admite-se que determinadas áreas não sejam atribuídas às forças sem sector, ficando reservadas para zonas de intervenção do comando-chefe.
9. Respeitar, em princípio, a divisão administrativa nas áreas onde há população e autoridade administrativa; e evitar a divisão de etnias, e em especial de regulados.
10. Respeitar os laços orgânicos das unidades, não sendo de admitir a divisão dos grupos de combate, a não ser em casos excepcionais (reforço temporário da auto-defesa de tabancas).
11. As áreas de actividade normal, ou previsível, do IN devem ficar a cargo das forças que tenham maior facilidade de acesso, em tempo, a essas áreas. É de admitir que alguns limites sejam alterados no período das chuvas.
12. Os estacionamentos das NT nunca devem estar localizados nas proximidades de um limite de ZA, a fim de se tirar completo rendimento das possibilidades operacionais das NT em todas as direcções.
13. Evitar a localização de estacionamentos das NT nas proximidades da fronteira, dado que as coloca em manifesta desigualdade de reacção em relação ao IN. Entre o local de estacionamento das NT e a fronteira deve existir o espaço da manobra necessária à sua reacção, e à intervenção da Força Aérea - em tempo oportuno - sobre os possíveis itinerários de retirada do IN.
14. Dada a exiguidade de meios, todas as subunidades do CTIG devem ter uma ZA a seu cargo, isto é, devem entrar em sector. Estas subunidades, embora em sector, são «pedras de manobra» dos comandos de batalhão para a realização de operações na sua zona de acção. Não se exclui, todavia, a hipótese de poderem ser atribuídas forças de intervenção aos comandos do sector para execução de operações nas suas áreas, em cumprimento de missões normais ou das que especificamente lhes forem determinadas. Na presente fase de disponibilidade de meios, o conceito puro de forças de intervenção só tem aplicação ao nível comando-chefe, que centralizará todos os meios de intervenção da Guiné, nomeadamente: potencial de fogo da FA (ZILIFA e ATIP); batalhão pára-quedista; fuzileiros especiais; comandos; batalhões e companhias independentes, a nomear.
15. Respeitar o princípio da massa no emprego da Artilharia, evitando dividir as suas subunidades, e nunca, em qualquer caso, fraccionar os pelotões.
16. As subunidades blindadas de Cavalaria destinam-se fundamentalmente a cumprir missões de: abertura e vigilância de itinerários, reforço temporário de pontos sensíveis ameaçados, escoltas e colunas de reabastecimento ou transporte de forças operacionais. Assim, estas unidades não devem ser hipotecadas a missões que não permitam tirar pleno rendimento das suas características; em qualquer caso, nunca devem ser fraccionadas abaixo do escalão pelotão.
V. Execução da presente directiva.
1. Compete ao CTIG estudar a remodelação do dispositivo com base nas seguintes hipóteses. Hipótese A. Com meios actualmente atribuídos, excluindo o batalhão de Bissau, o batalhão de Brá, e as companhias de comandos que passam a reserva do comando-chefe. Hipótese B. Com os meios da Hipótese A. Reforçados com os que julgue deverem ser propostos ao SDN. Em ambas as hipóteses, excluem-se as forças de intervenção do comando-chefe
2. O estudo deve ser completado com a atribuição de missões às unidades e a preparação em tempo de remodelação proposta.
3. O CTIG consultará o CZACVG e o CDMG sobre todos os aspectos que careçam da coordenação, competindo àqueles comandos dar toda a colaboração pedida pelo CTIG na fase de estudo da remodelação do dispositivo.
4. Integrado no presente estudo de remodelação do dispositivo do TO, o CDMG actualizará o estudo do problema fluvial da Província, apresentando uma proposta sobre sa condições de utilização de rede fluvial por parte dos nativos, e o a procedimento a adoptar em cada uma das zonas do TO em matéria de fiscalização e disciplina do tráfego de canoas
5. O CZACVG colaborará com o CTIG, em especial, nas áreas referidas em IV. 2. e áreas a reservar para acções de intervenção do comando-chefe.
6. Este estudo deverá estar terminado em 11 de Agosto de 1968. Bissau, 25 de Julho de 1968, o comandante-chefe António Sebastião Ribeiro de Spínola, António Sebastião Ribeiro de Spinola, brigadeiro.14)
Faltava espírito de missão às tropas e essa era a razão por que a grande maioria das operações na Guiné fracassava. Spínola decidiu: não podia haver «horário» para a guerra. Por outro lado, devia rever-se a atitude típica de relaxamento dos militares em face de um PAIGC bem armado e capaz de manobrar. Era também necessário reordenar as populações, fixando-as em pólos de desenvolvimento económico-social. Era o embrião da «revolução» spinolista.
Espírito de missão.

1. A grande maioria das operações realizadas no TO da Guiné não obtém êxito, nem do ponto de vista da acção directa sobre o IN, nem tão-pouco indirectamente através dum eficiente reconhecimento das áreas percorridas pelas NT. Entre os inúmeros motivos que estão na origem do baixo rendimento das operações, o principal é a falta de espírito de missão.
2. Uma tropa empenhada numa operação tem uma missão a cumprir, que em última análise se traduz, ou numa missão específica de combate perante um IN com reacções imprevisíveis ou numa missão de reconhecimento de determinada área que também reage imprevisivelmente em função dos inúmeros «trilhos» que o IN nela implantou. Desta forma, não é possível fixar a priori o prazo de duração de uma operação, dado que este depende, directa ou indirectamente, de factores imprevisíveis.
3. É evidente que a realização de operações «a horário» não permite que uma tropa, internada no mato, explore devidamente todas as possibilidades que lhe surjam no quadro do integral cumprimento da missão que lhe compete desempenhar. Há que substituir a rigidez do «espírito de horário» pela flexibilidade do «espírito de nomadização», que neste tipo de guerra está na base do verdadeiro espírito de missão.
4. Nestas condições determino: a) As operações no TO da Guiné nunca terão duração inferior a dois dias, devendo as forças transportar no mínimo dois dias de ração de reserva. b) Para o transporte de equipamento e rações poderão ser utilizados carregadores nativos. c) Se em face do desenvolvimento da acção se tornar necessário aumentar o prazo de duração da operação, as forças serão reabastecidas por via aérea, no caso de impossibilidade da via terrestre. d) Em qualquer caso, fica interdito a fixação a priori do prazo de duração das operações, o que evidentemente não implica que no planeamento não se considere, em previsão, determinado prazo.
5. Todas as acções com duração inferior a dois dias não são classificadas como operações, mas apenas acções de patrulhamento ou de reconhecimento.
6. As acções de escolta a colunas não devem também ser classificadas de operações, passando a designar-se por escoltas. Bissau, 11 de Setembro de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.15)
Exercício do comando na conduta de acções de combate.
1. Dos vários relatórios de acção que tenho lido, de relatos verbais feitos por comandantes de subunidades e por praças feridas em combate, concluí que na generalidade as NT cometem erros graves frente ao IN, de que resulta: não se cumprirem integralmente as missões; um gasto exagerado de munições; um aumento desnecessário de baixas; e, em consequência, um muito sensível abaixamento moral das NT que, na generalidade, se encontram complexadas perante um IN melhor armado e manobrador.
2. A primeira condição de êxito de uma operação reside no seu eficiente planeamento que, necessariamente, se baseia: num perfeito conhecimento do IN, em ordem a permitir a formulação de uma hipótese realista sobre a sua localização, potencial e previsível reacção; num perfeito «conceito de operação» ajustado à hipótese formulada sobre o IN e às reais possibilidades das NT; na articulação dos meios (forças terrestres e fogos aéreos) no espaço e no tempo, em conformidade com o «conceito da operação», o que necessariamente impõe a adopção de medidas prévias de coordenação, que, em última análise, estão na base de um bom planeamento. Porém, mesmo admitindo-se que a operação se encontra tecnicamente bem planeada, esta nunca poderá ter êxito se a acção não for devidamente conduzida. Na presente directiva focam-se os erros de conduta mais correntemente cometidos em acções de combate no TO da Guiné.
3. Antes de tudo, um comandante operacional, seja em que escalão for, deve ter um profundo conhecimento das reacções do IN que tem de enfrentar. Qual a sua doutrina e técnica de combate? Está moralizado? Está animado de espírito ofensivo? É agressivo? Que armas tem? Como as emprega? È manobrador? Ou, reage estaticamente pelo fogo retirando em seguida (táctica do bate e foge)? É flexível, isco é alerta rapidamente o seu dispositivo de combate? etc., etc. Dos últimos contactos havidos com o IN podemos concluir que este vem aperfeiçoando, de dia para dia. a sua técnica de combate, e que se revela presentemente com elevada capacidade manobradora. Estamos em presença de um IN que cultiva da acção, que tira amplo rendimento do factor surpresa da manobra, e que raramente se deixa fixar. Explora habilmente o efeito da surpresa, conjugando a acção fixante do fogo com uma falsa acção de retirada, para seguidamente voltar a emboscar as NT no seu eixo de progressão ou de retira. Ultimamente tem tentado envolver as NT com vista a aniquilá-las. É esta a panorâmica geral das reacções do IN na presente fase de guerra no TO da Guiné.
4. Na marcha de aproximação. A marcha de aproximação reveste-se da maior importância, dado que a maioria dos insucessos das NT resulta de uma posição de inferioridade, que tem a sua origem em erros cometidos durante o deslocamento. Na maioria dos casos as NT entram escusadamente nas zonas de morte do IN. Na marcha de aproximação registam-se, como mais frequentes, as seguintes deficiências: deficiente escolha e estudo do itinerário de marcha; não se executam medidas de decepção; não se tira partido da noite para deslocar as NT com maior segurança; as forças deslocam-se em coluna cerrada (fila indiana) não se articulando em unidades de manobra devidamente distanciadas; não se evitam as zonas descobertas (bolanhas e lalas); não se respeita a técnica de progressão em zonas descobertas (bolanhas e lalas); não se evita o terreno que não permite o deslocamento silencioso; não se evitam os obstáculos, e não se respeita a técnica da sua transposição; as forças deslocam-se pelos vales (bolanhas e Talas) não aproveitando as linhas de crista (matas); não se utilizam as faixas densamente arborizadas junto às linhas de água; não se adaptam as formações de combate ao terreno, de que resulta as NT deslocarem-se em permanente ambiente de insegurança; não se estabelece uma conveniente ligação entre as forças intervenientes na acção; o pessoal não se mantém em alerta permanente, pronto a reagir rapidamente a qualquer acção do N; as tropas não observam, não escutam, e não reconhecem os trilhos que se encontraram no itinerário de marcha; o pessoal não transporta as armas em condições de pronta utilização; o pessoal fuma, fala, come e bebe durante o movimento, não cumprindo o princípio da economia de esforço, do que resulta esgotar-se prematuramente; rigidez no cumprimento de um horário pré-estabelecido, de que resulta a tropa deslocar-se com uma velocidade exagerada, esgotando-se prematuramente; não se escolhem devidamente os locais para os pequenos ou grandes «altos»; quando se pára não se monta a segurança próxima; não se marcam os sectores de tiro e de vigilância; utiliza-se no regresso o itinerário utilizado na aproximação.
5. No contacto com o IN. A primeira preocupação de um comandante de forças que foram surpreendidas pelo fogo do IN, é a de fazer uma rápida análise da situação, em ordem a decidir a sua manobra; esta visa libertar as forças fixadas por envolvimento do IN, que se pode obter pela conjugação da acção dinâmica das NT com a acção dos fogos de apoio (fogos de aviação, de artilharia e de morteiro). No contacto com o IN registam-se, como mais frequentes, as seguintes deficiências: as NT manobram deixando-se fixar pelo IN; falta de disciplina no fogo, de que resulta um consumo exagerado de munições. Atiram sem ver os alvos, e se os vêem não acertam por falta de calma; não se articulam as forças para a limpeza do objectivo; não se explora o sucesso perseguindo o IN até à exaustão; não se estabelece uma segurança eficiente imediatamente após a conquista dos objectivos, reconhecendo os vários itinerários de acesso e montando emboscadas ou vigias sobre esses itinerários (500/1000 metros); não se reconhecem minuciosamente os objectivos, em especial a área circunvizinha (500 metros em redor); não se exploram eficientemente os prisioneiros, raramente se levando intérpretes preparados para o efeito; não se sabem referenciar as armas do IN (SOM E LUZ).
6. Esta directiva deve ser difundida até ao escalão companhia.
7. O gabinete militar do comando-chefe deve providenciar no sentido de se difundir, com a máxima urgência, os apontamentos elaborados pelo Major de Infantaria Soares Fabião sobre conduta de operação na Guiné. Bissau. 12 de Setembro de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.16)
Reordenamento de populações e organização em autodefesa.
1. O reordenamento das populações e a sequente organização das tabancas em autodefesa é um problema complexo e que requer técnica especializada.
2. Com efeito, o problema do reordenamento das populações não pode ser encarado com a superficialidade com que o tem sido, antes requer meditação e estudo profundo em íntima ligação com os serviços do Governo da Província, no sentido de se definirem as áreas economicamente ricas que, num reordenamento bem planeado, se deverão transformar em pólos de desenvolvimento nómico-social. Para além do aspecto episódico da defesa da população, problema de reordenamento das populações surge-nos como um imperativo de progresso dos povos, e como deverá ser encarado, por forma a que as áreas reordenadas se transformem simultaneamente em «pólos de atracção das populações e de irradiação de progresso». Ao equacionar-se o problema do reordenamento, não se pode deixar de atender à compartimentação étnica da Província, a qual não só deverá ser respeitada como até fomentada.
3. 0 problema da defesa das áreas reordenadas (conjuntos de tabancas em autodefesa) também requer aprofundado estudo, com vista a estabelecerem-se «esquemas de dispositivo» suficientemente flexíveis para permitirem a escolha e adaptação daquele que, para cada caso, melhor se ajuste às condições locais. Independentemente do trabalho de planeamento, haverá ainda que dar assistência técnica nas diferentes fases de execução, até que o conceito de «autodefesa» se transforme numa realidade efectiva e não num conceito simbólico sem qualquer significado prático. Não se deve perder de vista que a organização de uma tabanca em autodefesa envolve responsabilidade da nossa parte perante a respectiva população, a qual perderá totalmente a confiança em nós se a defesa não se revelar eficaz em relação às reacções do IN.
4. Porque os problemas enumerados em 2. e 3. se revestem de alta importância, e têm necessariamente que ser equacionados à escala provincial, o seu estudo foi centralizado num os departamentos do gabinete militar do comando-chefe, a que competirá: estabelecer ligação com os serviços da Província com interferência directa ou indirecta na resolução do problema; centralizar o estudo, controlo e fiscalização de todos os problemas de reordenamento e autodefesa da Província; elaborar «normas gerais para o reordenamento das populações e organização em autodefesa»; colaborar CTIG (Comando de Agrupamento e Batalhões Independentes) e com as autoridades administrativas locais no reordenamento das populações, e dar a necessária assistência técnica no desenvolvimento do planeamento traçado.
5. A execução dos planos de reordenamento e de autodefesa é da responsabilidade dos respectivos comandantes, em colaboração com as autoridades administrativas locais.
6. Deve ser dado conhecimento desta directiva até escalão companhia, ficando interdito aos comandos e autoridades administrativas tomar decisões em matéria de reordenamento e autodefesa sem prévia consulta ao gabinete militar do comando-chefe. Bissau, 30 de Setembro de 1968. António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.17)
A campanha UMA GUINÉ MELHOR, baseada em operações psicológicas, tinha subjacente a crença na vitória. Devia argumentar-se junto das populações que as tropas brancas estavam lá para defender os seus irmãos pretos contra os terroristas do PAIGC, vendidos ao estrangeiro, e iam acabar com eles. Spínola queria vencer na Guiné pela força da razão, não pela força das armas. Impunha-se recuperar a confiança na relação entre os portugueses da Metrópole e os naturais da Guiné. Mas, ao mesmo tempo, o general estreitou o seu controlo pessoal das operações militares: iniciou visitas de inspecção, exigiu um relatório diário.
Operações psicológicas Alfa. I. Generalidades.
1. Os temas que se apresentam deverão ser adequadamente desenvolvidos e «personalizados» com elementos respeitantes a cada área, recorrendo, especialmente, a factos actuais. No Apêndice I a este anexo apresenta-se um exemplo elucidativo.
2. O CTIG deverá remeter ao GABMIL todos os elementos que possam auxiliar o desenvolvimento dos temas constantes deste anexo, a fim de serem utilizados na informação e propaganda radiofónica a conduzir.
3. Os temas difundidos na Directiva Propaganda N.° 1, do COMCHE-FEGUINÉ, de 30SET68, deverão continuar a utilizar-se nas Op. Psic. Alfa. II.
Temas a utilizar.
1. Visando preservar as populações sob nosso controlo. a) A tropa portuguesa luta por uma Guiné melhor, onde todos tenham paz, progresso e bem-estar. b) A tropa branca veio da Metrópole à Guiné ajudar os seus irmãos pretos a defender o seu chão contra os terroristas. Os pretos estão a combater juntamente com os dos brancos, contra os terroristas. e) A tropa, os navios, os aviões e a artilharia vão destruir os terroristas. d) Os terroristas raptam as populações e obrigam-nas a trabalhar eles. e) No chão da Guiné, portugueses pretos e brancos vão construir uma vida melhor. f) Os terroristas trouxeram a guerra e querem a desgraça dos povos da Guiné.
2. Visando dissociar o binário Pop/In. a) Os terroristas protegem-se com a população. Não se importam que a população sofra com os tiros e as bombas lançadas por causa deles. b) Os terroristas enganam o povo com promessas que não são capazes de cumprir (concretizar no desenvolvimento do tema). c) Os chefes terroristas estão vendidos aos estrangeiros que lhes fornecem armas. Querem vender a Guiné. d) A tropa, os navios, os aviões e a artilharia vão acabar com os bandidos que pretendem roubar a paz e o bem-estar aos povos da Guiné. e) Os chefes terroristas vivem bem, no estrangeiro, gastando o dinheiro do povo, enquanto que o povo sofre, na mata, com doenças e fome. f) Os terroristas levam o arroz e o dinheiro; em paga, trazem a guerra e o sofrimento para o povo. g) A tropa vai acabar com os bandidos para ganhar a paz e o bem-estar para o povo da Guiné. h) Quem não quiser sofrer com as bombas dos aviões, com os tiros da artilharia e com a guerra, deve separar-se dos bandidos. i) O pessoal que vive na mata tem muita doença; quando se apresenta, é tratado pelas autoridades, passando a viver melhor. j) Quem quiser continuar a sofrer, fica com os terroristas na mata; quem preferir viver em paz, apresenta-se às autoridades.
3. Visando captar as populações sob duplo controlo, a) Os terroristas estão a perder a guerra e, para esconder a sua derrota, prometem coisas que não podem dar. Nunca cumpriram o que prometeram. b) O terrorista explora o povo. Rouba e nunca paga. c) Os terroristas querem a confusão, para poderem roubar à vontade a terra, os bens e as mulheres de cada um. d) Os terroristas só querem a guerra e a desgraça do povo da Guiné. e) A tropa, os navios, os aviões e a artilharia vão acabar com os bandidos que pretendem roubar a paz e o bem-estar aos povos da Guiné. f) Aqueles que vivem na mata, com os terroristas, têm má casa, más culturas e muita doença. g) Os terroristas levam o arroz, as mulheres, os filhos e o dinheiro; em paga, trazem a guerra e o sofrimento para o povo. Bissau, 29 de Outubro de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.18)
Campanha psicológica de recuperação.
1. Como vimos afirmando, o aspecto de fundo de um «plano de contra-subversão» não se projecta no campo imediato da força das armas, mas sim no campo da promoção social e cultural das populações. Por outras palavras, a guerra da Guiné não se ganha pela força das armas, mas sim pela força da razão. E a razão conquista-se na medida em que a Província atinja um nível de bem-estar social que satisfaça os anseios imediatos das populações, anseios que lhes foram instigados pelo inimigo e que estão na base da sua propaganda, constituindo a sua principal força.
2. O nosso «plano de contra-subversão» visa a rápida consecução desse nível de bem-estar, que se traduz no slogan: UMA GUINÉ MELHOR. Se atingirmos esse nível de bem-estar em tempo útil, furtaremos ao IN a força da razão, e com esta as populações - objectivo final de «um plano de contra-subversão».
3. Dentro desta linha de pensamen­to, que está na base da orientação do Governo da Província - e que constitui a nossa principal «ideia-força» - é natural que o inimigo combatente e as populações da Guiné, presentemente desorientadas, se desequilibrem para o lado da razão, isto é, para o lado da nossa causa.
4. Neste pressuposto, torna-se absolutamente necessário rever o nosso procedimento à luz de nova conduta, agindo em conformidade com os princípios morais e civilizadores que estão na essência da nação portuguesa e informam a sua estrutura jurídica. Há que esquecer aspectos tristes do passado - para os quais, temos de reconhecer, também contribuímos - e restabelecer um clima de recíproca confiança entre portugueses metropolitanos e portugueses guineenses (autóctones), condição absolutamente necessária à recuperação da Província para a vida normal e pacífica. Há que saber perdoar, sendo generoso para com aqueles que, respondendo ao nosso grito de UMA GUINÉ MELHOR, desejem trocar o caminho da subversão pelo da paz e da ordem. Neste sentido, impõe-se lançar uma campanha de mentalização das Forças Armadas, autoridades administrativas e policiais, campanha que vai ser iniciada na presente época do Natal com a libertação de vários elementos inimigos presos na ilha das Galinhas, depois de devidamente integrados na actual linha de rumo. Torna-se necessário que as Forças Armadas, autoridades administrativas e policiais, e em especial a Divisão de Acção Psicológica do Comando-Chefe e a PIDE, orientem, desde já, o seu esforço de acção psicológica na linha de acção expressa na presente directiva. Bissau, 1 7 de Dezembro de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.19)
Fiscalização e controlo do cumprimento das missões operacionais.
1. Na Directiva n.º 44/68 de 01OUT68, definiram-se genericamente as atribuições dos vários escalões de comando no processamento da acção operacional no TO da Guiné. Posteriormente, a prática revelou-nos a necessidade de esclarecer melhor as referidas atribuições em matéria de planeamento, execução, controlo e fiscalização da actividade operacional, para que fiquem claramente definidas as esferas de responsabilidade dos diversos escalões de comando do TO, que seguidamente se definem: a) Comando-Chefe. Define o conceito de manobra à escala do TO (reunião mensal de comandos/directiva mensal); providencia para que a manobra se concretize num adequado dispositivo terrestre (directivas executórias); conduz o desenvolvimento da manobra, coordenando a acção dos três ramos das Forças Armadas (reunião diária de comandos); exerce a fiscalização superior da actividade operacional no TO (reunião semanal no CTIG e contacto directo com as unidades. b) Comando Territorial Independente da Guiné. Concretiza, em trabalho conjunto com os comandos subordinados, a manobra do comando-chefe articulando convenientemente as forças (dispositivo); fixando zonas de acção; fixando missões; garante a execução da conduta da manobra fixada diariamente pelo comando -chefe; alerta, em tempo útil, as unidades das FT sempre que nas respectivas ZA se realizem operações das forças de intervenção ou acções de fogo independentes da FA; fiscaliza a actividade operacional das unidades sob a sua dependência, em ordem a assegurar o cumprimento das missões atribuídas a todos os escalões do comando; garante assistência técnica aos comandos de agrupamento e batalhões independentes, bem como aos escalões inferiores de comando quando lhes for solicitado pela via hierárquica; resolve, em tempo útil, os problemas operacionais que lhe forem apresentados pelos comandos subordinados, e quando a sua resolução exceda o quadro das suas possibilidades providencia junto do comando--chefe. c) Comando de agrupamento. Propõe superiormente o reajustamento do dispositivo, em conformidade com a missão recebida; fixa as missões, de carácter permanente aos batalhões de acordo com a manobra, submetendo-as à aprovação do CTIG; submete à aprovação do CTIG as missões de carácter permanente atribuídas às companhias, depois de corrigidas ou sancionadas fiscaliza a actividade operacional das unidades sob a sua dependência, ordem a assegurar o cumprimento das missões atribuídas a todos os escalões de comando; dá a necessária assistência técnica aos comandos subordinados, por iniciativa própria ou sempre que lhe seja solicitado; planeia e coordena operações ao nível agrupamento, quando necessário; resolve, em tempo útil. os problemas operacionais que lhe apresentados, e quando a sua solução exceda o quadro das suas possibilidades providencia junte do CTIG. d) Comando de batalhão propõe superiormente o reajustamento do dispositivo, em conformidade com a missão recebida; fixa as missões às companhias, em conformidade com o seu conceito de operação, submetendo-as à aprovação superior; fiscaliza a actividade operacional das companhias, em ordem a assegurar o cumprimento das respectivas missões: garante a necessária assistência técnica às companhias, em especial quando comandadas por oficiais menos capacitados (equipas itinerantes - Directiva N.° 23/68); planeia e coordena operações no quadro do conceito operacional do batalhão; garante às companhias os meios necessários à sua actividade operacional normal, reforçando a acção na respectiva área quando necessário, e) Comando de companhia. garante, em continuidade, a actividade operacional na respectiva zona de acção, no quadro da missão recebida, por cujo cumprimento é totalmente responsável; providencia junto do comando superior, no sentido de lhe serem atribuídos os meios de reforço julgados indispensáveis para o cumprimento da missão.
2. Definidas as atribuições e as inerentes esferas de responsabilidade dos vários escalões de comando, o comandante-chefe, sempre que notar que o rendimento operacional das companhias não é compatível com a missão atribuída e os meios disponíveis, responsabilizará solidariamente pelo incompleto cumprimento da missão o respectivo comandante de companhia, e os escalões superiores de comando, responsáveis pela fiscalização da actividade operacional.
3. Para a fiscalização da actividade operacional ao nível CTIG, o CZACVG reservará diariamente para o efeito um avião DO-27, cuja capacidade de transporte deverá ser totalmente aproveitada. Os comandos de batalhão deslocar-se-ão normalmente por via terrestre, só utilizando o transporte aéreo nos casos de reconhecida impossibilidade de utilização do transporte terrestre ou fluvial.
4. O comandante-chefe inicia em Janeiro próximo a sua visita de inspecção operacional às unidades, com o objectivo de se esclarecer acerca da evolução da situação no quadro da missão atribuída ao respectivo escalão de comando. A inspecção processar-se-á da seguinte forma: leitura da missão atribuída à unidade ou subunidade; implantação da missão na carta 1/50 000; exposição sobre a situação do IN na área; conceito operacional do respectivo comando; exposição da actividade operacional no quadro do cumprimento da missão; resultados práticos obtidos.
5. Para controlo da actividade operacional das FT no TO da Guiné, passa a realizar-se todas as quintas-feiras, pelas 08H00, uma reunião no CTIG, com a assistência do comandante-chefe. Além dos elementos do CTIG, assistem à reunião o chefe do gabinete militar do comando-chefe e os adjuntos para as informações e operações especiais. Esta reunião deve desenvolver-se na seguinte base: implantação na carta da situação (1/50 000), de toda a actividade operacional do último período (uma semana); implantação, na mesma carta, da actividade operacional dos últimos seis meses, o que obviamente implica o levantamento semanal da sinalização referente ao da semana excelente; descrição sumária da semana; crítica ao rendimento operacional obtido; resultados práticos obtidos; implantação da actividade operacional, numa carta à escala 1/1.000.000, a arquivar em pasta própria; análise da actividade anterior das NT por consulta da pasta anteriormente referida.
6. Diariamente, pelas 18H00, dever-me-á ser presente no comando-chefe, o SITREP diário do CTIG com a actividade operacional implantada numa carta de escala 1/500 000. Bissau, 23 de Dezembro de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.20)
Procedimento para com os informadores secretos da PIDE
1. Sempre que se apresente a autoridades administrativas ou militares qualquer elemento autóctone que declare desejar prestar informações exclusivamente à PIDE, deve ser considerado como um informador secreto daquela polícia, adoptando-se o seguinte procedimento: aceitar a apresentação; mantê-lo preso ou sob vigilância; avisar o agente da PIDE, agindo seguidamente em conformidade com a sua indicação, comunicando a ocorrência ao escalão hierárquico imediatamente superior, nomeadamente comandos militares ou autoridades administrativas; quando não houver agente local da PIDE, providenciar, por iniciativa própria, junto: do escalão hierárquico imediatamente superior; o CTIG providenciará, junto do CZACVG, no sentido do referido informador ser urgentemente transportado para Bissau e entregue à PIDE, a administração civil providenciará de igual forma através da via comando-chefe; é expressamente proibido fazer interrogatórios a elementos que declarem só desejarem prestar informações à PIDE não devendo, em qualquer caso, ser exercida pressão sobre os mesmos; as autoridades locais administrativas e militares devem explorar imediatamente qualquer informação de carácter urgente e interesse local que lhes seja fornecida.
2. Os informadores secretos da PIDE são merecedores do nosso mais vivo reconhecimento pelos relevantes serviços que vêm prestando à causa nacional, devendo obviamente ser tratados em conformidade. Bissau, 28 de Dezembro de 1968, o comandante-chefe, António Sebastião Ribeiro de Spínola, brigadeiro.21

1) - Directiva 1/68. SECRETO. Cópia cedida pelo general Almeida Bruno. Fonte doravante citada como AM
2) - Directiva 2/68. SECRETO.AM
3) - Directiva 3/68. SECRETO.AM
4) - Directiva 4/68. SECRETO.AM
5) - Directiva 5/68. SECRETO.AM
6) - Directiva 6/68. SECRETO.AM
7) - Directiva 7/68. SECRETO.AM
8) - Directiva 8/68. SECRETO.AM
9) - Directiva 9/68. SECRETO.AM
10) - Directiva 12/68. SECRETO.AM
11) - Directiva 13/68. SECRETO.AM
12) - Directiva 18/68. SECRETO.AM
13) - Directiva 19/68. SECRETO.AM
14) - Directiva 20/68. SECRETO.AM
15) - Directiva 30/68. SECRETO.AM
16) - Directiva 33/68. SECRETO.AM
17) - Directiva 43/68. SECRETO.AM
18) – Directiva 48/68. SECRETO.AM
19) - Directiva 60/68. SECRETO.AM
20) - Directiva 62/68. SECRETO.AM
21) - Directiva 63/68. SECRETO.AM
BIBLIOGRAFIA
A Guerra de Àfrica (1961 . 1974)
José Freire Antunes - Circulo dos Leitores . VOL. I

sexta-feira, 12 de junho de 2009

NOTÍCIAS



Ex-combatentes: Associações dizem que apoios são insuficientes
“Não se lembram de quem deu a vida”

Vinte associações militares de combatentes das Forças Armadas reuniram-se ontem em Lisboa, naquele que foi o Segundo Congresso de Combatentes, 36 anos após o primeiro, realizado em 1973.
"Há uma série de problemas que têm de ser resolvidos e é para isso que existem as associações. Há apoios, é certo, mas não são suficientes nem capazes de criar soluções. Não se lembram de quem deu a vida pelo País", disse ao CM Chito Rodrigues, presidente da comissão executiva do congresso e também da Liga dos Combatentes.
A jornada tinha como principais temas em discussão a segurança, cidadania, saúde e a segurança social. A trasladação dos corpos de África, a integração do tempo de serviço militar na reforma, a construção de lares e de cuidados ao domicílio foram alguns dos temas mais debatidos.
"Nós assumimos como missão dar a vida pela Pátria, e agora não nos deixam viver com dignidade", defendeu António Ferraz, da Federação das Associações de Combatentes, lembrando que cerca de 10% dos sem-abrigo portugueses são ex-combatentes. "Isto mostra a situação arrepiante com que nos debatemos."
A falta de dinheiro é desculpa para tudo", disse por seu turno Lima Coelho, da Associação Nacional de Sargentos.
Chito Rodrigues anunciou ontem a trasladação feita há 15 dias do corpo do último combatente morto na Guiné, uma despesa totalmente paga pela Liga.
MILICIANOS QUEIXAM-SE DE DISCRIMINAÇÃO
A Associação dos Combatentes do Ultramar Portugueses (ACUP) denunciou ontem o que considera ser uma diferença de tratamento entre os combatentes de quadro permanente e os milicianos, nomeadamente no acesso a instituições de caridade. "Estamos todos unidos pelo mesmo objectivo que é o direito que temos em viver e morrer com dignidade e com os apoios que achamos merecidos, mas há classes mais favorecidas. Por exemplo, no Centro de Apoio Social de Runa há um privilégio para os combatentes de quadro e os milicianos ficam de fora. Quero lutar contra isso", afirma José Nunes, presidente da ACUP.
PORMENORES
VIDA EM SOBRESSALTO
Durante o congresso foram abordados vários exemplos de vidas de ex-combatentes, todos os traumas pós-guerra e os problemas de saúde que daí decorreram.
PLATEIA DE CEM PESSOAS
Durante o dia de ontem estiveram no congresso cerca de cem pessoas a discutir os problemas da vida dos ex-combatentes. A organização esperava entre duzentos a quinhentos militares.
"ESTATUTO DA CONDIÇÃO MILITAR É FUNDAMENTAL" (Carlos Matos Gomes, Coronel na reserva)
Correio da Manhã – O que é que espera que possa sair do congresso de ex-combatentes?
Matos Gomes – Parece-me uma mistura de associações um pouco difícil de digerir e não faço ideia do que pode sair dali. Penso que é uma verdadeira salganhada de interesses. Acho que o objectivo principal é tratarem das questões de saúde e apoio social.
– Qual a medida mais urgente que deveria ser tomada?
– Se as associações quisessem ser mais transparentes, acho que fundamental seria elaborar um estatuto da condição militar, que olhasse para todos os combatentes e permitisse regular quais os direitos e deveres, em vez de estarem sempre a tentar pescar à linha subsídios e baixar impostos.
– As reivindicações dos ex-combatentes deveriam estar então mais viradas para o futuro ?
– Penso que deveriam investir mais no apoio às futuras gerações, tratando de definir relações transparentes com o Governo, elaborarem um estatuto e não estarem sempre a tentar sacar medidas avulsas.
– Não se revê então na forma de luta que tem sido seguida?
– Parece-me uma tentativa muito incoerente, e em águas bastante turvas, de fazer alguma coisa. Não me revejo nela.

terça-feira, 9 de junho de 2009

DEPOIMENTOS

LUÍS CABRAL
Prender Spínola

Do trabalho fundador de Amílcar Cabral ao seu assassinato, da desconfiança inicial de Sekou Touré à oposição de Leopold Senghor, do apoio militar de Marrocos ao fornecimento de mísseis Strela pela União Soviética, do contra-ataque de Spínola aos planos para capturar o general na selva, da formação de quadros na China à proclamação unilateral da independência - eis facetas da história do PAIGC. Luís Cabral, irmão de Amílcar Cabral, filho de um professor de origem cabo-verdiana e de mãe portuguesa, trabalhou como contabilista na Casa Gouveia antes de participar na luta armada. Foi nomeado secretário geral adjunto do PAIGC em 1973 e eleito presidente do Conselho de Estado. Nega que Amílcar Cabral quisesse tornar-se secretário geral da Guiné no quadro de um plano gizado por Spínola, com o apoio de Senghor.
Amílcar Cabral, foi o grande impulsionador da criação do PAIGC. Aristides Pereira, chefe da estação telegráfica de Bissau, controlava as comunicações telefónicas. Os rebeldes tinham partido do incidente de Pidjiguiti, em Bissau. Ao primeiros quadros foram treinados na China. O armamento inicial era proveniente de Marrocos e de países do Leste, como a Checoslováquia.
Eu e o Amílcar éramos apenas filhos do mesmo pai, embora as nossas relações fossem mais íntimas do que as que nós tínhamos com os nossos irmãos do mesmo pai e da mesma mãe. Quando o nosso pai morreu, em 1951, o Amílcar ficou com a responsabilidade de toda a família. Ele estava a estudar em Portugal, no Alentejo. Nessa altura, enviou-me um telegrama, que dizia: «Ciente dolorosa fatalidade, unidos lutaremos.» E o mais interessante é que unidade e luta passou a ser a divisa do partido. Contaram-me depois que o Amílcar, quando recebeu a notícia da morte do nosso pai, se fechou durante três dias no quarto, para reflectir. Em 1952, ele veio para a Guiné, depois de ter tido já bastante dificuldade para receber o visto que na altura era necessário. Foi um amigo dele, bem colocado em Portugal, que acabou por lhe conseguir o visto. O Amílcar já estava ligado politicamente à luta anticolonial. Afinal de contas, o movimento começou em Portugal, na antiga Casa dos Estudantes do Império, através do Movimento Anti-Colonial (MAC), que depois se desdobrou pelos vários movimentos de libertação. Quando" ele chegou à Guiné, começou logo a organizar a luta. É curioso referir que, inicialmente, ele não queria que eu participasse. Não me dizia isso directamente, mas sim à mulher dele, Helena: «Não vou meter o Luís nisto, porque ele fica de reserva, para dar assistência à família. » Mas, por volta de 1955, quando o Amilcar saiu da Guiné, de novo para Portugal, já eu estava ligado a estas coisas.
Em 1956, fundámos o PAI - Partido Africano para a Independência e União dos Povos da Guiné e Cabo Verde. Foi numa reunião em Bissau, no dia 19 de Setembro, em que participaram Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin e eu. O Amílcar quis criar um grupo cultural que servisse de cobertura ao movimento nacionalista. Alguns de nós defendemos que, nesse grupo, não deveria aparecer o nome de Amílcar Cabral, para não alertar a PIDE. Mas como entretanto alguns começaram a dizer que o Amílcar Cabral não se queria expor, e que só outros é que corriam riscos, ele decidiu dar o nome dele e o grupo não foi autorizado. A partir daí, o Amílcar começou a ser mais vigiado. Começámos a luta clandestina e ele continuou a viver em Portugal, embora tenha ido várias vezes à Guiné. Numa dessas estadas, o governador, capitão de mar-e-guerra Melo Alvim, chamou-o e teve com ele uma conversa interessante. Começou por lhe perguntar: «Então, você é que é o chefe dos mau-mau cá da terra?» O Amílcar respondeu: «Não, senhor governador. Os mau-mau são da África Oriental, não são daqui.» O governador não desarmou: «Sabe uma coisa? Não me lixe! Seja um homem da actualidade. Viva a sua época.» Aquilo foi, para o Amílcar, o primeiro encorajamento que recebeu de um português tão importante como era o governador da Guiné. Só que, mais tarde, os rumores sobre a actividade de Amílcar Cabral aumentaram e o governador avisou-o: «O melhor que tem a fazer é sair daqui, senão sou obrigado a expulsá-lo. E, se eu o expulsar, nunca mais pode voltar à Guiné.» Amílcar veio para Portugal, onde continuou a desenvolver o seu trabalho como engenheiro agrónomo. Trabalhou ainda em Angola, nas fazendas Tentativa e CADA, onde conseguiu recuperar uma grande produção de café, que estava condenada. Juntamente com o seu trabalho como agrónomo, nunca deixou de desenvolver actividade política.
Na Guiné, o partido ia crescendo, embora contasse apenas com algumas dezenas de pessoas. Naquele tempo, um indivíduo já se considerava conspirador e revolucionário só por ouvir a Rádio Moscovo, ou a Rádio Brazzaville. Do ponto de vista ideológico, o nosso partido definia-se como nacionalista africano. Sobre isto, o Amílcar costumava dizer: «A ideologia não se come.» Esta era a grande diferença entre ele e muitos dos outros. Nessa época, os apoios internacionais eram quase inexistentes. Existia um grupo de amigos em França, e pouco mais. Os contactos internacionais começaram, realmente, a partir da nossa instalação em Conakry, em 1960. Mas logo no início tivemos sérias dificuldades com os países que depois nos vieram a ajudar - os países socialistas. É que na Guiné-Conakry estavam já instalados outros grupos: o Movimento para a Libertação da Guiné (MLG) e a Frente de Luta para a Independência da Guiné (FLING), que estavam contra nós e tinham o apoio das embaixadas dos países de Leste, que os consideravam representantes do povo e a nós representantes da pequena-burguesia. Em 3 de Agosto de 1959 deu-se um acontecimento que constituiu um ponto de referência na nossa luta: a greve dos marinheiros e estivadores do cais de Pidjiguiti, em Bissau, que terminou com o massacre de cerca de cinquenta trabalhadores. O PAI apenas estabeleceu alguns contactos. Era fundamentalmente um problema restrito aos trabalhadores do cais. O que eles exigiam, simplesmente, era melhores salários. E a razão era a de que não ganhavam nem para comprar arroz. Ganhavam quinze escudos por mês. A situação era desesperada, uma vez que a vida estava cada vez mais cara. Os homens que se fixavam na cidade e abandonavam os campos necessitavam de dinheiro. Assim, com a greve dos marinheiros e estivadores, o porto paralisou. Vieram os soldados e a polícia e acabaram por atirar. Eu nessa altura morava na marginal e assisti a tudo. Vi gente no cais atirando contra os marinheiros, que não tiveram outra solução senão atirar-se ao mar ou fugir nos barcos. E eles continuavam no cais, atirando - tropa, polícia e até civis, também armados. Nessa altura aconteceu a prisão de Carlos Correia, que foi depois primeiro-ministro da Guiné, e que trabalhava comigo na Casa Gouveia. Ele estava apenas a assistir a tudo aquilo, quando foi empurrado por um polícia. Como reagiu, acabou por ser detido.
Nós tínhamos nessa altura o controlo das conversas telefónicas entre Bissau e Lisboa. O Aristides Pereira era o chefe da estação telegráfica. Quando havia conversas entre personalidades que nos interessavam, ele controlava-as pessoalmente. Foi assim que ele ouviu a conversa entre o director da PIDE de Bissau e o director da PIDE em Lisboa. Este procurou saber o nome de um africano, já com idade razoável, que se tivesse destacado no dia da greve. O homem de Bissau foi procurando e acabou por chegar ao Carlos Correia, que tinha alguns estudos, trabalhava na CUF e que teve o tal incidente com a polícia. Decidiram prendê-lo. Nós já tínhamos as nossas redes. Uma das pessoas que esteve muito ligada ao início da luta foi uma farmacêutica portuguesa, Sofia Pomba Guerra, que me mandou avisar que o Carlos Correia ia ser preso. Saí de Bissau à procura dele. Encontrei-o e fi-lo sair da cidade nessa mesma noite. No dia seguinte, às oito da manhã, a PIDE foi à Casa Gouveia prendê-lo, mas ele já lá não estava. O massacre de Pidjiguiti alertou as nossas consciências, porque a situação social, em Bissau, era complexa. Havia um grande número de indivíduos africanos que se sentiam numa situação mais ou menos privilegiada, em relação à grande massa da população da Guiné. Mesmo no meio dos originários de Cabo Verde não era muito fácil fazer a mobilização, porque muitos indivíduos já tinham uma posição mais ou menos favorável. Penso que havia uma certa contradição ao nível dessa pequena-burguesia africana. Os cabo-verdianos vinham de Cabo Verde com um nível cultural superior ao dos indivíduos da Guiné e ocupavam cargos na função pública e na administração. Os guineenses - naquele tempo não havia liceu em Bissau - viam os outros chegar e ocupar os lugares. A esse nível, eu penso que, mesmo nessa altura, já existia uma certa fricção. Mas, ao nível do movimento de libertação, isso não tinha significado. O partido foi fundado por guineenses e por cabo-verdianos e embora quer eu quer o Amílcar, quer outros, sejamos de origem cabo-verdiana, isso não impediu que a grande massa do povo tivesse aderido à nossa luta. Basta ver que, mesmo assassinando o Amílcar, foi possível manter toda a estrutura da direcção do partido. E houve um apoio em massa a Aristides Pereira, para o cargo de secretário-geral, liderando eu todo o processo da sua candidatura. E ele nem nasceu na Guiné. O Amílcar teve conhecimento imediato dos acontecimentos de Pidjiguiti, em Agosto de 1959. Nós fizemos seguir um comunicado para ele, o que não foi difícil, porque o Fernando Fortes era director dos serviços postais. Metia a nossa correspondência depois de os sacos estarem oficialmente fechados. Assim, no dia a seguir ao massacre de Pidjiguiti, rádios como a BBC e a Voz da América leram o nosso comunicado. A PIDE já tinha indícios de que havia um movimento clandestino. Em 1960, o meu irmão foi a Tunes, ligado ao Movimento Anti-Colonial (MAC), que depois deu origem à Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Decorria a II Conferência Pan-Africana e ele apresentou-se com um nome falso, Abel Djassi. Foi essa a nossa primeira presença no movimento pan-africano. De Tunes, o Amílcar seguiu para Londres, onde deu a primeira conferência de imprensa de um nacionalista oriundo das colónias portuguesas. Depois passou em Dakar, exactamente no mesmo dia em que lá cheguei, fugido de Bissau. A minha fuga ocorreu ainda em I960, quando foi inaugurada a sede da Associação Comercial de Bissau, com a presença de alguns administradores da CUE. Um desses administradores telefonou para Lisboa, pedindo que recrutassem um guarda-livros, porque eu ia ser preso pela PIDE. Tinham conseguido que a minha prisão fosse adiada, para que eu fechasse o ano comercial. O Aristides Pereira ouviu a conversa. A minha fuga foi, de imediato, preparada. Contei com a ajuda de um português antifascista, Fausto Teixeira, que estava deportado na Guiné, e que me levou de carro, durante a noite, até à fronteira com o Senegal.
O início da luta aberta e da denúncia internacional, com a conferência de imprensa de Londres, coincidiu com a instalação da PIDE em Bissau. Foi também quando o Amílcar escreveu o primeiro memorando ao governo português, onde alertava para a necessidade de resolver o problema colonial, prontificando-se a estudar em conjunto as diferentes etapas do processo. Como não houve qualquer resposta, um ou dois anos depois iniciámos a acção directa. Não foi nada de muito grave: começámos por deitar árvores sobre a estrada para impedir a passagem de veículos, destruir pequenas pontes de madeira, sem grande valor. Foi uma fase de transição, no fim da qual o Amílcar escreveu uma carta aberta ao governo português, em 13 de Outubro de 1961, em que lançava o aviso: «Nada poderá suster o PAIGC no cumprimento da sua missão histórica.» Como também esse aviso não surtiu qualquer efeito, restou-nos a luta armada. O PAIGC começou a sua instalação em Conakry, ao mesmo tempo que os primeiros quadros do partido seguiam para Pequim, onde receberam instrução militar. Entretanto, os dirigentes que estavam na Guiné tiveram que sair, como foi o caso do Aristides Pereira que, inicialmente, era para ficar mais tempo, como pretendia o Amílcar. Só que ele não conseguiu aguentar e saiu mesmo. Ao mesmo tempo, houve uma vaga de prisões em Bissau. O Fernando Fortes foi um dos presos. Alguns quadros tinham ficado em Bissau porque o Rafael Barbosa tinha um grupo que defendia também a independência, com alguns elementos em Conakry, e foi necessário fazer uma aproximação. Negociámos a integração desse grupo no PAIGC, ainda PAI, constituindo uma frente.
O Rafael Barbosa passou a ser o secretário do interior, depois de um encontro que tivemos em Dakar. Quando ele regressou a Bissau, onde começou a viver clandestinamente, tinha a responsabilidade de dirigir toda a acção do partido no interior, até ao dia em que foi preso. Quando foi preso pela PIDE, apanharam a relação dos quadros clandestinos do partido que estavam em Bissau, incluindo alguns, como o Domingos Ramos, que já tinham feito a sua preparação na China. O início da nossa instalação na Guiné-Conakry também não foi fácil. Já funcionavam em Conakry alguns grupos que tinham mais ou menos o apoio do partido de Sekou Touré, o Partido Democrático da Guiné (PDG). Para nós, era complicado combater esse apoio, porque eles ligavam-se aos comités de bairro, uma estrutura que, num partido populista como era o PDG, tinha bastante força. Ali, apresentavam-se como pessoas que não sabiam nada de política, porque o governo português nunca tinha permitido fazer política. E iam mais longe: pediam que lhes indicassem o que deviam fazer. Quando o PAIGC chegou em força a Conakry, e também o MPLA e os outros movimentos de libertação, à excepção da Frelimo, com muitos quadros que trabalhavam como médicos, professores, etc., os outros indivíduos ligaram-se ainda mais aos comités de bairro. O Amílcar foi procurar apoio junto dos altos dirigentes da República da Guiné, mas nunca desprezou a acção dos outros indivíduos. Eu próprio, muitas vezes, não compreendia o comportamento do Amílcar e dizia-lhe: «Esses indivíduos não valem nada. Nem são capazes de ganhar a sua vida. » Mas ele sempre tomou a sério todo e qualquer indivíduo. Chegava a assistir a reuniões a que eu achava que ele não devia assistir, mas ele insistia, procurava explicar as nossas ideias, o que nos fez ganhar cada vez mais gente.
Nós tivemos, na República da Guiné, um grande apoiante, o presidente da Assembleia Nacional e um dos fundadores do PDG, Diallo Sayfoulaiye. Um dia, em conversa com Amilcar Cabral, que estava um pouco desanimado, ele citou-lhe uma frase da filosofia fula: «Nunca se atiram pedradas a mangueiras que não tenham mangas maduras.» Não nos esquecemos desta lição. Os primeiros quadros foram formados na China. Foi para lá que partiram os militantes que receberam preparação militar. O primeiro grupo era composto por Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi, Vitorino Costa, Constantino Teixeira, Hilário Gomes, Pedro Ramos e Manuel Saturnino Costa. Juntaram-se a eles, um pouco mais tarde, Chico Mendes e Nino Vieira. Deste grupo saíram os principais comandantes da guerrilha e, alguns deles, foram mesmo altos dirigentes do partido. Eles foram depois espalhados pelas várias zonas da Guiné, para dirigirem a guerrilha. E aconteceu, por exemplo, quando o Nino Vieira se instalou no Sul, que já lá andavam alguns dos indivíduos que eram contra nós, em Conakry. Mas, depois de os «homens grandes» ouvirem a mensagem de Amílcar, transmitida por Nino Vieira, foram eles próprios que prenderam os outros. «O caminho é este! O caminho de Amílcar Cabral», garantiam eles. A verdade é que muitos deles ainda se lembravam do Amílcar, que tinha percorrido toda a Guiné, anos antes, a fazer o recenseamento agrícola. Muitos recordavam-se do engenheiro. E esta ligação era tão forte, que muitas crianças que nasceram naqueles anos tiveram o nome de Engenheiro.
As primeiras armas vieram de Marrocos, mas eram de origens diversas. Vinham dos países de Leste, como a Checoslováquia. Foi no final de 1962. Chegavam metralhadoras, lança-granadas, obuses. A primeira pessoa que decidiu dar-nos armas para a nossa luta foi o rei de Marrocos, Mohamed V. Ele tinha lutado contra os Franceses, até à independência e, por isso, estabeleceu como um dos pontos principais da sua política a descolonização de África. Em Marrocos, tivemos sempre autorização para fazer entrar o nosso material, o que não aconteceu, durante muito tempo, na República da Guiné-Conakry. O apoio da República da Guiné ao PAIGC foi ganho todos os dias, com a nossa insistência. Quando começaram a chegar as armas, a Guiné não autorizava a entrada no seu território. Nessa altura, eu era o homem encarregado do abastecimento, da logística das Forças Armadas e recorria a tudo para conseguir levar as armas a Conakry e de Conakry até à Guiné. Usámos expedientes como, por exemplo, transformar sofás para levar metralhadoras lá dentro. Depois, apercebi-me de que o homem só tinha a capacidade de calcular o peso até uma determinada altura e, a partir daquela altura, tanto fazia que fossem quinhentos quilos, como três mil. Quando chegavam as armas a Rabat, seguíamos, sem escolta militar, para a garagem das nossas instalações naquela cidade, e era ali que fazíamos as embalagens clandestinas para entrarem em Conakry. O transporte era sempre de barco. Lembro-me de uma vez que o Abílio Duarte foi a Rabat para acompanhar até Conakry um carregamento de granadas, que seguiam disfarçadas em caixas de medicamentos. Colocávamos granadas até determinada altura das caixas, pondo mais à superfície os medicamentos. Como tinham o rótulo de «FRÁGIL», seguiram no camarote do Abílio, que passou todo o tempo de sentinela, porque o seu companheiro de camarote fumava. As granadas também eram muitas vezes transportadas em caixas de tinta Gestetner. Tiravam-se os tubos, transportados em sacos, e colocávamos as granadas dentro das caixas. Os detonadores e tudo o que era explosivo eram transportados em pacotes de cigarros LM, a marca que Amílcar fumava. Tiravam-se os maços de cigarros e colocavam-se os detonadores. E foi assim que fomos levando o material para Conakry, até ao dia em que fomos descobertos e presos. Tudo aconteceu por causa de latas de sardinhas, que tinham balas. Nas minhas camuflagens, em Rabat, costumava embalar balas em caixas de sardinhas portuguesas. Mas esqueci-me das carências que havia em Conakry, onde havia falta de tudo. Quiseram roubar as sardinhas no porto e saíram as balas. Todos os membros do PAIGC que estavam em Conakry foram presos. Entre eles, Aristides Pereira, Vasco Cabral, Pedro Ramos e eu próprio. Como nós prevíamos sempre essa hipótese, sempre que estavam para chegar barcos com armas para nós, fazíamos sair o Amilcar. Dessa vez, ele estava em Rabat. Os angolanos que estavam em Conakry connosco saíram logo para avisar o Amílcar, que iniciou logo diversos contactos no sentido de mobilizar a opinião africana a nosso favor, sem entrar em conflito com a República da Guiné. Estivemos presos cerca de um mês. As autoridades de Conakry queriam que o Amílcar regressasse, como condição para sermos postos em liberdade. Mas eu respondi que, se havia razões para estarmos presos, seriam mais fortes ainda para Amílcar Cabral ser preso.*-
União Soviética, China, Checoslováquia, Marrocos, Argélia, Cuba - eis o leque de apoios de que o PAIGC usufruiu na luta armada contra a autoridade portuguesa. A situação dentro do partido clarificou-se no I Congresso, em 1964, que decidiu da prisão de alguns chefes da guerrilha e da morte de outros. Senghor achava que o PAIGC era um instrumento de Sekou Touré, mas depois a ajuda do Senegal foi importante. Mais tarde, contra o esforço estratégico de Spínola, que passou pela invasão de Conakry, surgiram os mísseis Strela.
A nossa primeira acção armada realizou-se em Janeiro de 1963, contra o quartel português de Tite, no Sul. O Amílcar foi sempre contra o começo da luta através de acções junto da fronteira. Defendeu que devíamos esperar, ter o material no interior do país para iniciar as acções, a partir do interior. Se começássemos pelas zonas de fronteira, as tropas coloniais teriam força suficiente para nos fecharem a passagem e não poderíamos avançar. Tínhamos de começar as acções no interior, depois de nos instalarmos. Foi em Tite e em Morés, uma no Centro-Sul e outra no Centro-Norte, que iniciámos a luta armada. A partir daqui, os apoios foram aumentando. Depois de Marrocos, foi a Checoslováquia. Aliás, o apoio da Checoslováquia foi quase simultâneo porque, se as primeiras armas nos foram dadas por Marrocos, as segundas recebeu-as Marrocos da Checoslováquia. A nível de formação de quadros, além da China, fomos apoiados por Marrocos, pela Checoslováquia e, um pouco mais tarde, pela Argélia, logo que este país conquistou a independência. Cuba também nos ajudou muito, numa fase posterior. O apoio da União Soviética foi o mais importante, embora não se tivesse manifestado logo no início. Mas sempre soubemos que países como a Checoslováquia nos ajudavam com o acordo prévio da União Soviética.
A primeira etapa foi a luta clandestina. Às vezes, quando falava com o Amílcar, dizia-lhe: «Nós fizemos tão pouco em Bissau.» Ele respondia sempre: «Se não fosse aquele bocadinho que se fez em Bissau, não tinha sido possível fazer a parte grande.» Depois foi a acção directa e, finalmente, a acção armada, a partir de 1963. Depois do início da acção armada, foi a definição das áreas, que veio a dar origem ao I Congresso do PAIGC, em 1964. Vivemos então um período difícil. Os homens foram preparados para uma certa luta e depois, cada um, quando se viu sozinho na sua área, fez aquilo que lhe pareceu melhor. Aconteceram coisas terríveis nalguns locais do Sul da Guiné, até assassinato de pessoas. Foram cometidos crimes monstruosos nesse período. Mas o I Congresso, realizado em Cassaca, em Fevereiro de 1964, pôs termo a esta situação. Muitos chefes da guerrilha foram presos e alguns foram mortos, depois de serem considerados culpados por aquela situação. O I Congresso marcou uma viragem na luta do PAIGC. Nessa altura, já havia na Guiné áreas controladas por nós. As áreas principais eram o Centro-Norte, na região de Morés, o Leste e o Centro-Sul, e o Sul propriamente dito, onde estava o Nino Vieira. O Rui Djassi comandava o Centro-Sul, o Domingos Ramos o Leste e o Osvaldo Vieira o Centro-Norte, que era a zona mais difícil de abastecer, porque não tínhamos o apoio do Senegal. Não nos deixavam passar nada. Nem medicamentos. Havia um controlo muito rigoroso. Éramos vítimas das más relações entre a República da Guiné e o Senegal. O presidente Senghor considerava que nós éramos o partido do Sekou Touré e nós batalhávamos para o convencer que não.
Depois de ter garantido a acção no Sul, o meu irmão mandou-me para o Norte, porque um dos principais objectivos era conseguir a ajuda do Senegal, o que consegui. Mais tarde, entre 1965 e 1966, Senghor deu-nos autorização para passar com mercadorias. Mas nós passávamos as armas. Também aqui tivemos de dar voltas à imaginação. Utilizámos os tambores de gasóleo para meter armas lá dentro. Os tambores eram abertos, a parte fechada ficava para cima, onde nos sentávamos. Tudo começou assim, mas depois também se estabeleceu uma cumplicidade entre nós e os funcionários senegaleses da fronteira. Falei várias vezes com Senghor, mas o meu trabalho foi feito essencialmente com os governadores de regiões junto à nossa fronteira. Eles é que iam dar, depois, as informações a Dakar. O primeiro contacto foi mesmo desastroso - houve um recontro entre os nossos combatentes e a polícia senegalesa, de que resultou um morto senegalês. Foi uma situação gravíssima. Senghor quis logo falar com o Amílcar. Enviou recados por diversas embaixadas, de que queria vê-lo imediatamente. O Amílcar já conhecia Senghor, tinham sido apresentados em Paris pelo Mário Pinto de Andrade. Nessa altura, Senghor disse-lhe: «Eu sou contra a luta armada.» O meu irmão respondeu-lhe: «Eu também, mas ela já existe e não temos outra solução senão ajudá-la. » O segundo encontro foi então o de Dakar, quando Senghor chamou Amílcar para explicar a situação da morte do polícia senegalês. Senghor estava muito zangado e foi duro com o Amílcar. Ele ouviu-o, e respondeu: «Senhor presidente, se eu e os meus companheiros soubéssemos que um dia um presidente africano me receberia com pedras na mão, era quase certo que não nos teríamos lançado nesta tarefa da libertação do nosso povo.» Senghor mandou-o sentar e tratou-o, pela primeira vez, por tu. A partir daí começou a haver colaboração, que não foi fácil. Houve mesmo pressão da França a favor de Portugal.
O apoio do Senegal foi decisivo para a nossa luta. Os principais centros urbanos estavam no Norte, nomeadamente Bissau. Para fazer uma acção, por exemplo, numa região do Oeste, os homens tinham que andar centenas de quilómetros, carregados com o material, muitas vezes sem comida, sem nada. E tínhamos, na mesma, conflitos com o Senegal porque os homens, quando atravessavam um campo de mandioca, comiam tudo. Claro que o agricultor protestava e tínhamos problemas. Quando apareceram os governadores militares senegaleses, começámos a ter aliados, embora, de início, houvesse muitas reservas. Mas quando começaram a contactar connosco, ganhámos aliados. Começámos a poder transportar material de guerra, embora escoltado por militares do Senegal. Estávamos em 1966. A partir daqui, a luta alastrou a toda a Guiné. Tínhamos bases instaladas e também unidades móveis. Criámos os corpos do exército. Armámos as milícias. Os corpos do exército estavam bem armados e era deles a responsabilidade das grandes operações. A evolução da guerrilha foi muito grande. Em 1974, quando terminou a guerra, o PAIGC tinha cerca de dez mil homens armados, entre exército e milícias. Nunca tivemos cubanos como operacionais. Eles eram instrutores e começaram a chegar a partir do momento em que estávamos a usar a artilharia - entre 1967 e 1968. Eram quase todos instrutores de artilharia. Mas primeiro chegaram os médicos cubanos. Também tivemos médicos franceses e belgas, que trabalharam quase sempre na fronteira, numa base a dezassete quilómetros da fronteira. Fizeram verdadeiros milagres. A célebre prisão do capitão Peralta foi um acidente. Ele nem sequer era combatente, era inspector. Ia lá ver como as coisas estavam a decorrer. Só que teimou em entrar numa altura em que lhe disseram para não ir. A área era muito descoberta e ele corria o risco de ser visto por um helicóptero. Teve azar! Passou mesmo um helicóptero, ele ia apenas com uma pequena escolta e acabou por ser apanhado. Nas matas, é muito difícil. O nosso povo, nos campos de arroz, tinha um truque para não ser visto pelos helicópteros ou pelos aviões: cortavam ramos de árvore e tapavam-se, como se fosse um guarda-chuva, quando ouviam o barulho dos motores.
O maior esforço de guerra português foi feito depois da chegada do general Spínola e foi principalmente apoiado na aviação. A aviação era, de facto, superior a todas as forças que estavam ali. Nunca conseguimos que os nossos homens enfrentassem os helicópteros, mesmo depois de terem as antiaéreas. O helicóptero assustava, tinha um impacte terrível. Por isso é que a guerra parou, depois de termos os Strela. Os mísseis Strela chegaram pouco tempo depois da morte do Amlcar (Janeiro de 1973) e foram fruto da última missão que ele realizou. Deslocou-se à União Soviética e conseguiu negociar o envio dos mísseis. Fomos, como se sabe, os primeiros a utilizá-los. O Amílcar, com o seu relacionamento pessoal, conseguiu sempre interessar pessoalmente os funcionários soviéticos pela nossa luta. Por exemplo, sabia que um coleccionava selos e, quando viajava pelos países de África, arranjava sempre selos para esse funcionário. Outro gostava de estatuetas africanas, e ele não se esquecia. Isso motivava as pessoas. Foi assim que um desses amigos nos avisou que havia os Strela e que havia grandes hipóteses de os conseguirmos. O Amílcar foi então a Moscovo negociar essa entrega. Quando a delegação do comité soviético de solidariedade afro-asiática foi ao funeral do Amílcar, anunciaram-nos que tinha sido dada autorização para essa entrega e que devíamos organizar um primeiro grupo para receber instrução. Esse grupo foi dirigido pelo Manecas dos Santos. O impacte dos mísseis nas tropas portuguesas foi terrível. Todos os planos do general Spínola se baseavam na superioridade da aviação e, quando começaram a ver cair os aviões, descobriram que não tinham planos. Agora eram atacados à luz do dia. Estavam só habituados aos nossos ataques nocturnos e, quando começaram a cair os primeiros aviões, deixaram de aparecer. Esta foi uma fase decisiva.Quando se deu o ataque eu não estava em Conakry e o Amílcar também não, mas apenas por coincidência. Começaram a circular informações em Conakry que apontavam para uma tentativa de derrube de Sekou Touré. Ele chegou mesmo a chamar o Amílcar e a dizer-lhe que sabia que estava a ser preparada uma tentativa de golpe, a partir de Bissau, e pediu-lhe para tentar saber qualquer coisa. A família do Amílcar estava lá quando foi a invasão. Aliás, foi disparado um tiro de bazuca contra a casa dele e a viúva ficou sempre a sofrer dos ouvidos, por causa do barulho da explosão. Durante muito tempo, conservámos o buraco na casa. Os guardas da casa do Amílcar responderam imediatamente e os atacantes recuaram. De facto, quem resistiu ao ataque fomos nós. Sekou Touré reconheceu isso em vários discursos. Quem tirou os comandos da central eléctrica foram os nossos homens, comandados pelo Constantino Teixeira, que foi mais tarde ministro do Interior da Guiné-Bissau. Só no dia seguinte, de manhã, é que o Exército guineense respondeu. O chefe de Estado-Maior do Exército guineense foi preso com vários outros oficiais, por cumplicidade com a tentativa de golpe. Um dos comandantes dos nossos barcos estava no seu barco, no porto de Conakry, quando viu, ao largo, comandos a matar gente num outro barco. Conseguiu fugir e foi avisar o Estado-Maior das Forças Armadas. Alertou a sentinela e seguiu logo para as nossas instalações, para avisar também. Quando a sentinela subiu para fazer o aviso, o Estado-Maior estava reunido com os comandos invasores. Mandaram chamar o nosso comandante, Irénio Nascimento Lopes que, no entanto, não ficou à espera quando percebeu. Havia um grande complot interno. Alguns dos oficiais portugueses foram mesmo recebidos por membros do Governo e andaram a passear de Mercedes pelas ruas de Conakry.
Não acredita que Spínola gostasse de Amílcar Cabral. Pensa que a única tentativa séria de negociação da paz com os portugueses foi o infrutífero encontro de Londres, em Março de 1974. Afirma que os assassinos de Amílcar Cabral tinham apoio da PIDE. Depois da morte dele, o PAIGC lançou operações para mostrar força. E em Setembro de 1973 proclamou unilateralmente a independência. Foi planeada a prisão de Spínola. Luís Cabral assume a morte dos três majores enviados por Spínola para negociar. E diz que havia militantes do PAIGC a serem treinados na União Soviética para pilotarem aviões MiG.
Hoje penso que a única coisa séria que houve quanto a negociações foi o encontro tido em Março de 1974, em Londres, de que não resultou nada, porque entretanto deu-se o 25 de Abril. Como se sabe, estivemos sempre abertos a todo e qualquer contacto, com cessar-fogo, sem cessar-fogo, com condições, sem condições. Por isso, espanto-me muito quando leio que o general Spínola quis contactos com o Amílcar, porque sempre gostou dele. Garanto-lhe que o Amílcar nunca soube disso. Por exemplo: é uma loucura pensar que um indivíduo da categoria do Amílcar, que foi capaz de fazer toda aquela luta, pudesse acabar como secretário-geral do governo colonial na Guiné. É um absurdo completo. De facto, Spínola ainda hoje não compreende que um homem como o Amílcar, quando se dedicava a uma coisa destas, não ficava a meio. O Amílcar quis sempre discutir com o governo português. Mas com Spínola nunca houve qualquer contacto, nem directo, nem indirecto. O que nós sabíamos é que havia perspectivas. Senghor falou com o Amílcar na perspectiva de um encontro e o meu irmão disse-lhe que, de facto, todo o encontro com o governo português seria bom. Tudo o que se fizesse no sentido de o governo português aceitar encontrar-se com os nacionalistas seria útil, mas o Senghor, como chefe de Estado, com o prestígio que tinha, devia era encontrar-se com o chefe de Estado português. No entanto, depois soubemos que ele teve um encontro com Spínola. E soubemos porquê? Como estávamos muito bem relacionados, contaram-nos logo como se estava a preparar tudo para o encontro, no maior segredo. Ligaram-nos e ficámos a saber que tinha havido o encontro.
As cartas que apareceram num livro do comandante Alpoim Calvão foram assinadas por mim e tratou-se de uma história muito simples. Um comerciante da fronteira norte, Mário Soares, depois denunciado como agente da PIDE, escreveu uma carta ao Amílcar a dizer que tinha uma comunicação importante a fazer, mas que só podia ser feita fora da Guiné, e propôs Londres, onde tinha uma filha a estudar. O Amílcar recebeu a carta e mandou-ma, porque eu é que estava ligado a Bissau. Respondi à carta e aceitei esse encontro. Mandámos a Londres o Vítor Saúde Maria, que estava ligado às relações exteriores. E quando o Vítor lá foi, encontrou-se com a filha do Mário Soares. Mas ele não apareceu. E foi essa a história das cartas e dos telegramas. Como ele, estando ali na fronteira do Senegal e sabendo que a cem metros estávamos nós, em Caledá, e que tínhamos bases a um quilómetro ou dois de Pirada, sabendo isso tudo, ele pediu que o encontro fosse em Londres, nós pensámos que era uma coisa que ele queria fazer contra a vontade do Spínola, às escondidas. Não queria que o governador colonial tivesse conhecimento. E escrevemos a carta a dizer que mandávamos alguém, nunca seria o Amílcar nem eu, mas foi o Vítor Saúde Maria. Nunca houve mais nada, a história resumiu-se a isso. Houve também, na altura, uns indivíduos ligados ao exército português que marcaram um encontro em Roma e mandámos lá o José Araújo. Nunca soube dos resultados desse encontro. Com os problemas todos que eu tinha, essas coisas só me interessavam até certo ponto. Quando não davam sequência, acabavam. Com Londres, passou-se a mesma coisa. O representante português não queria falar de Cabo Verde, só queria falar da Guiné. Ora nós já tínhamos um Estado, reconhecido por mais de oitenta países, e o Vítor Saúde Maria já era o ministro dos Negócios Estrangeiros desse Estado. Se não tivesse havido o 25 de Abril, talvez tivesse havido uma sequência. Eles sabiam que a guerra ia continuar. Nós tínhamos todas as condições para crer que a guerra ia avançar a nosso favor.
Os homens que assassinaram o Amilcar tiveram coragem de o fazer porque tinham o apoio da PIDE. A luta chegou a um ponto em que o grande objectivo em Bissau, das forças especiais, era destruir a unidade Guiné-Cabo Verde. E então indivíduos que estiveram ligados ao partido, e até à sua direcção, e estiveram presos uma data de tempo, como Inocêncio Kati, Aristides Barbosa, foram postos em liberdade e depois mobilizados e mandados para Conakry, já ligados à PIDE. O objectivo deles era mobilizar gente contra a direcção do PAIGC, dizendo que o Governo português estava disposto a conversar com os guineenses, que era uma decisão que estava tomada, mas para isso os guineenses tinham que se separar dos cabo-verdianos, porque com Cabo Verde não se podia fazer nada, a NATO não ia aceitar que o PAIGC estivesse em Cabo Verde, porque isso seria dar o arquipélago aos soviéticos, para base no Atlântico. Foi todo esse trabalho que os homens fizeram em Conakry. Eles usaram vários quadros do partido, até chegarem a elementos que os denunciaram e eles foram presos. Foram presos, depois do assassinato do Amílcar Cabral. Entretanto, essa abertura do Governo português foi ao encontro dos indivíduos que tinham problemas com a direcção do partido - um comandante da marinha que tinha vendido o motor de um barco e que tinha vendido não sei o quê, outro que fez contactos com o tal Mário Soares de Pirada, que era o João Tomás Cabral - era uma série de indivíduos em falta. O Amílcar quis fazê-los vir todos a Conakry para conversar com eles e recuperá-los. Era sempre o objectivo dele.
Eram esses indivíduos, que vendiam coisas do partido, dos armazéns, que criaram uma vida paralela em Conakry - até com mulheres e casa - sem terem salário, porque nenhum de nós tinha salário. Toda essa gente acabou por criar uma vida paralela, que não se podia aguentar se não fizessem os desvios das coisas que faziam. Esses indivíduos acabaram por ver a grande saída. Foi por isso que, quando assassinaram o Amílcar e prenderam o Aristides Pereira, tentaram sair para Bissau mas foram interceptados por um barco soviético, a pedido do Sekou Touré. Foram feitas várias tentativas para destruir o partido, até chegar ao ataque a Conakry, operação de um comando especial orientado directamente pelo general Spínola para atacar a capital de um país estrangeiro, derrubar o Governo e destruir a direcção do PAIGC. Depois do fracasso desse ataque a Conakry, a tentativa seguinte seria tentar destruir o PAIGC por dentro. Foi isso que nos levou a crer que, numa lógica de guerra, de procurar destruir o inimigo, o general Spínola teve a sua participação nisso. Nessa lógica, admito que sim, mas não tenho provas concretas disso. Ele, de facto, nunca procurou o encontro com o Amílcar, nunca procurou compreender a luta do PAIGC, a razão histórica dessa luta no quadro geral da libertação de África.
Os homens que assassinaram Amílcar Cabral foram quase todos fuzilados. Esses homens foram mandados pela PIDE, eles disseram isso. Aristides Barbosa foi interrogado e chegou a dizer isso - não só pela PIDE como por autoridades da República da Guiné. Sekou Touré também não gostava muito do Amílcar. Fez sempre bastante resistência para nos ajudar. Antes de nos instalarmos em Conakry, eles tinham o controlo sobre compatriotas nossos que se submetiam totalmente a ele. Admito mesmo que ele tivesse tido ambições de uma Grande Guiné. Ele chegou a afirmar isso em Bissau, já depois da independência, o que constituiu um dos momentos mais difíceis na minha vida de chefe de Estado. O Amílcar era um dos dirigentes africanos mais capazes e isso coincidiu com a queda do prestígio do Sekou Touré. Para mim, ele não foi capaz de conduzir o país para o progresso. Agarrou-se a uns certos cidadãos e começou a defender o poder pelo poder. Isso fez com que eliminasse muitos quadros, e se fizesse rodear cada vez mais da mediocridade, como acontece sempre nestes casos. Já depois do assassinato do Amílcar, o presidente Boumediene, da Argélia, contou-me que, quando tinha estado em Conakry, quando seguia no carro com Sekou Touré, do aeroporto até ao palácio, perguntou-lhe pelo Cabral. Sekou Touré disse-lhe: «Está muito mal com os companheiros, está um bocado isolado... » Isso não era verdade. Depois, basta recordar o discurso que ele fez ainda junto do caixão do Amílcar, criticando o partido e a sua acção. Como irmão do Amílcar, se alguma coisa me deu coragem foi ouvir essas palavras. Nós tínhamos que fazer tudo para provar que era mentira, aguentar o partido, levar as coisas para a frente, ir até à independência.
Naquela altura, o problema era aguentar o partido, organizar o II Congresso, eleger o novo secretário-geral. Nós escolhemos o Aristides Pereira, que era o mais próximo do Amílcar, e fizemos uma campanha que cobriu todo o território da Guiné. Fiz reuniões no Norte, no Sul, no Leste, na fronteira, no interior, em todo o lado. Quisemos ouvir a opinião do povo, dizer-lhes todas as palavras de ordem dos conspiradores e ouvir a opinião das pessoas. Fizemos o II Congresso e mesmo aí houve uma tentativa de sabotagem do Sekou Touré. Nós, no Norte, estávamos muito apreensivos, porque os homens que participaram no assassinato do Amílcar tinham saído quase todos do Sul e alguns do Leste. Então, resolvemos garantir a segurança do II Congresso. Ocupámo-nos nós, os do Norte, da segurança do congresso. Mandámos um batalhão de homens, comandados pelo Lúcio Soares, o Julião Lopes, o Manuel dos Santos (Manecas), o Bono Keita e outros para garantir a segurança. Então o Sekou Touré soube desses homens, que iam do Norte para o Leste, e escreveu uma carta ao governador de Boké, dizendo que avisasse o Nino para, por sua vez, avisar o Aristides, que não fosse à reunião do II Congresso porque corria perigo. Que tinham vindo homens do Norte para assassiná-lo. Então, o Nino foi mostrar a carta ao Aristides Pereira e ele, depois, mostrou-ma a mim. A frase do Aristides foi esta: «Que é que este gajo quer?» Foi um período extremamente difícil, em que nós nos apercebemos que o Sekou Touré queria entrar, que ele não tinha confiança nem em mim nem no Chico Mendes, os dois membros da direcção política do Norte. Fomos nós que estabelecemos as relações com o Senghor, abrimos a frente norte, que era decisiva. Bissau, a capital, está na frente norte, os maiores centros urbanos estão todos na frente norte, e a zona mais distante de Conakry era a nossa retaguarda principal.
A decisão de declarar a independência foi do Amílcar, tudo isso foi escrito pelo Amílcar. Ele anunciou tudo, mesmo ao nível das Nações Unidas. O convite à delegação das Nações Unidas ainda foi feito por ele, mas como documento fundamental na proclamação do Estado. O que nós queríamos era que as Nações Unidas reconhecessem a existência do Estado, dum Estado independente como parcela dum território ocupado por forças estrangeiras. Mudar a nossa condição de colónia com parte do território libertado para a condição de Estado soberano com parte do. território ocupado. Foi isso que foi feito com a declaração da independência. O meu irmão morreu em janeiro e eu tive de tomar as coisas em mãos, mostrar a força do partido, mesmo depois do desaparecimento dele. Naquele período que se seguiu ao assassinato dele, os helicópteros sobrevoavam com altifalantes: «A guerra já acabou!», «O homem que arranjava as armas já morreu!» Aproveitaram para fazer propaganda, aproveitaram o acontecimento. Garantiam mesmo: «A guerra acabou!» Em resposta, lançámos grandes operações militares para mostrar a força do partido - tanto no Norte, contra o quartel de Guidage, como no Sul, contra o quartel de Guilege. Este último foi abandonado, mas nós não tirámos todo o proveito que era possível tirar disso. Esse plano foi feito pelo Amílcar, um ano antes de ser assassinado, e implicava atacar o quartel de Guilege, manter emboscadas na estrada de Guilege-Gadamael, que era o porto, e depois atacar as tropas quando abandonassem Guilege a caminho de Gadamael e, finalmente, concentrar as forças e atacar Gadamael. O comando português que lá estava esperava isso, o plano era tão lógico que eles esperavam isso.
O ataque a Gadamael acabou por não ser tão eficaz, porque, quando as nossas tropas entraram em Guilege, aquilo estava abastecido de tal maneira que a malta se sentou ali, bebendo cerveja. Parámos e de tal maneira que o cozinheiro do Nino entrou em estado de coma de tanto beber. Quando veio a si, disse: «As tropas não me mataram quando estavam em Guilege, mas depois de saírem já me iam matando. » Foi um período já de fazer operações para mostrar que o assassinato do Amílcar não tinha parado a luta. Houve então o ataque a Guidage, no Norte, que está descrito detalhadamente pelo Salgueiro Maia no seu livro. Foi assim mesmo que aconteceu. Quando abandonámos aquelas posições, não sabíamos que o estado das tropas portuguesas era aquele. A malta aguentou-se durante um certo tempo. No Norte, as munições não eram muitas e começaram a escassear. A alimentação também começou a ter alguns problemas e então nós, quando chegámos a um certo ponto, resolvemos abandonar. Não sabia que as coisas estavam já nesse pé. A ideia foi essa, a de mostrar a força do partido. Não tínhamos muito dinheiro e também investimos muito na Conferência Internacional da juventude - uma iniciativa enorme, com teatro, com música, com tudo, para mostrar a força do partido.
Depois fizemos o II Congresso, que elegeu o Aristides Pereira como secretário-geral, com todas as medidas já mencionadas, no Leste, na área de Madina do Boé. As forças portuguesas tiveram conhecimento da data prevista para o congresso. A formação do Estado devia ser feita no Sul, tudo estava já preparado no Sul para a declaração do Estado, tudo. Todas as instalações estavam feitas. No dia em que se sabia que começaram a entrar membros do partido, através da fronteira sul, destruíram a jangada da fronteira. Bombardearam a jangada, bombardearam aquela área toda. Nós estávamos já em Boké, a caminho do Sul, quando chegaram essas informações. Então desviámos para leste e mandámos logo um grupo para o Leste. E preparámos tudo, no Leste, para no dia seguinte fazer o Congresso. Toda a noite mexemos para isso e houve um momento interessantíssimo: a nossa garantia eram as antiaéreas e o Nino foi encarregado de fazer a defesa antiaérea do congresso. Depois dos ensaios todos das cerimónias, durante a noite, levar as pessoas a ler as coisas como deve ser, depois de todo o preparativo, fui-me deitar eram para aí duas ou três da manhã. O Constantino Teixeira e o Nino Vieira bateram à porta da barraca e disseram que tínhamos que fazer o congresso naquela noite, porque tinham trazido as rampas de lançamento, mas não tinham trazido os foguetes. Respondi-lhes que deviam assumir as suas responsabilidades, porque com toda a imprensa estrangeira que estava ali connosco, as coisas deveriam ser feitas com toda a dignidade, como estava previsto. No dia 24 de Setembro de 1973, às oito e meia da manhã, começámos as cerimónias. Os responsáveis pela segurança agitavam-se e pediam que se fizesse tudo depressa, mas cumprimos o calendário previsto. Estas coisas, ou se fazem com dignidade, ou não se fazem. Não estavam muitos jornalistas estrangeiros. Por exemplo, os jornalistas senegaleses não puderam vir. Mandaram pedir que se lhes enviasse as cassetes gravadas para poderem pôr no ar ainda nesse dia. Assim, naquele mesmo dia, à noite, as emissoras anunciaram a proclamação do Estado. Fomos reconhecidos imediatamente por cerca de oitenta países. Outros, como a Suécia, não nos reconheceram logo para poder continuar a ter uma certa influência junto do Governo português. Fomos reconhecidos por quase todos os países do Terceiro Mundo.
Spínola disse coisas com as quais não posso concordar. Eu respeito-o muito, ele fez o seu papel e fê-lo bem. Fez a guerra. Quando chegou à Guiné foi para intensificar a guerra, não foi para procurar a paz. Ele nunca nos tomou a sério. Quando mandou os oficiais lá para a operação do chão dos manjacos, que queriam negociar a rendição de tropas nossas, mostrou que não nos conhecia. Esses oficiais acabaram por ser mortos. A zona oeste do país era a mais distante de Conakry, aquela que tinha maiores dificuldades de abastecimento. Então, eles tiveram essa informação e souberam mobilizar os homens a leste, através de elementos da população que frequentavam os dois lados. Eles começaram a fazer a aproximação, depois começaram a aceitar que lhes levassem coisas para lá e começaram eles a mandar coisas. Então, o comandante da região, André Gomes, soube da situação e resolveu fazer o jogo. Puseram-nos ao corrente da situação e fizeram o jogo. Aceitaram todas as prendas, todas as coisas, deram tudo, recebiam os homens desarmados e iam desarmados e combinaram o dia da rendição das nossas tropas. Isso ficou combinado na última reunião na estrada de Cacheu-Canchungo, com o general Spínola. Nessa altura, nós mandámos para lá o nosso principal responsável da segurança no Norte, Luís Correia. Havia vários combatentes que não estavam a gostar daqueles contactos. Quando o Luís chegou lá, os interlocutores dos oficiais portugueses disseram: «Nós temos que dizer a eles que tu já chegaste, porque eles vão saber de certeza. Portanto, se não formos nós a dizer, vão pensar que há qualquer coisa.» E então, foram lá dizer que era preciso tomar mais cuidado, mais prudência, tinha chegado o homem da segurança do Norte.Quando se encontraram com o general Spínola, nessa estrada, disseram-lhe que esse responsável de segurança tinha vindo ali à região do Canchungo, para fazer uma cerimónia ali ao deus da área, que é o Irã de Cobiana, o grande deus da floresta. Mas ele, para fazer essa cerimónia precisava de aguardente de cana. Era preciso arranjar-lha o mais depressa possível que ele, fazendo a cerimónia, ia-se embora. Então, o general Spínola mandou comprar aguardente de cana e deu-a à malta para a cerimónia. Havia um aspecto de desprezo pelos nossos ideais, de tal maneira que pensavam ser possível com uma garrafa de whisky, até mesmo com umas contas e uns brincos, desviar aqueles homens dos seus ideais de libertação e de independência. Esses oficiais portugueses acabaram por ser mortos porque foram lá para assistir à rendição das nossas tropas. Foi feita uma emboscada e foram mortos. Isso não estava nos nossos planos. O plano era prender o general Spínola. Depois, a malta convenceu-se que o general Spínola não vinha. Como naquela área não tínhamos abastecimentos regulares, nem coisas para conservar esses oficiais, estávamos quilhados. Ou apanhávamos o general Spínola ou então não saía ninguém daqui. De outra vez, houve uns nossos que foram a Bissau, mandados por nós, como se se tivessem entregado. Pensavam que, como era hábito, o general os iria levar de helicóptero para ver melhor as aldeias da Guiné. Eles pensaram obrigar o helicóptero a descer, quando sobrevoasse uma região próxima de uma área controlada por nós. Mas essa missão não se concretizou. Nunca planeámos qualquer acção para matar o general Spínola. Nós sabíamos que, se ele fosse morto, seria substituído por outro. A nossa luta passava pelo desgaste das tropas coloniais, a par do avanço da nossa mobilização. A nossa luta foi sempre avançando, sempre avançando. A retaguarda é que criou os elementos fracos. Queriam viver em Conakry, onde tínhamos armazéns cheios. Como lá havia carência de tudo, começavam a desviar coisas para o mercado negro, para arranjar mulheres e arranjar casas. Foi essa retaguarda que forjou toda a conspiração contra o partido e contra o Amílcar. Nunca houve qualquer cisão no nosso partido. Amílcar escreveu: «O nosso partido é um corpo vivo, em crescimento. Temos de ser capazes de lhe dar a roupa que corresponde a cada etapa desse crescimento. » Um sociólogo americano, Ronald Chilcote, disse uma coisa muito bonita sobre o Amílcar: «Ele faz a luta como faz agricultura. Primeiro, os fertilizantes, depois as sementes, a poda. » E era verdade. Tínhamos já um grupo de militantes que estavam a ser treinados para pilotos na União Soviética. Foram para lá ainda em vida do Amílcar. Era para pilotarem aviões MiG. Seriam a base da força aérea da Guiné independente. 1)



1) - Testemunho oral: Luís Severino de Almeida Cabral. Lisboa 13 de Janeiro de 1995. Irmão de Amílcar Cabral, nasceu em 1931. Foi um dos fundadores dp PAIGC e presidente da República da Guiné-Bissau. Foi derrubado em 1979 por um golpe de Estado chefiado por Nino Vieira. Vivia em Portugal quando foi entrevistado.




BIBLIOGRAFIA

A Guerra de África (1961 - 1974)

José Freire Antunes - Circulo dos Leitores - VOL. I