quinta-feira, 16 de julho de 2009

AS GRANDES OPERAÇÕES

Operação Ametista Real

Almeida Bruno (hoje, general na reserva) sempre gostou de dar o nome de pedras preciosas as operações executados sob o seu comando. Em Maio de 1973, planeou e comandou uma arriscada acção militar no interior do território do Senegal. Objectivo: atacar e destruir a base do PAIGC instalada na zona de Kumbamory. Era a partir daqui que as forças da guerrilha flagelavam a nossa posição em Guidaje, no Norte da Guine mesmo em cima da fronteira.
No inicio do ano de 1973, a situação das tropas portuguesas em Guidaje era desesperada - um verdadeiro suplicio. Esta guarnição militar, encostada à fronteira com o Senegal, estava completamente isolada, cercada por inultrapassáveis campos de minas e numerosas forças de guerrilheiros. As colunas de reabastecimento, apoiadas por unidades de pára-quedistas, não conseguiam passar. Até os mais treinados e empenhados combatentes não conseguiam romper o cerco. O aquartelamento de Guidaje estava na prática esmagado por um inquebrável anel do mais resistente dos aços.
O reabastecimento pelo ar também não era fácil - porque o PAIGC tinha os perigosos mísseis antiaéreos "Strella". Os aviões que se aventuravam a sobrevoar os céus de Guidaje seriam abatidos. As peças de artilharia pesada do PAIGC flagelavam, dia sim dia não, o quartel ocupado pelas tropas portuguesas. Os feridos também não podiam ser evacuados de helicóptero. E os mortos eram enterrados ali mesmo. Guidaje era a imagem perfeita do inferno à face da terra.
O comandante-chefe da Guiné, general António de Spinola, sabia que as forças do PAIGC, mais dia menos dia, lançariam o assalto final sobre Guidaje. Era preciso, quanto antes, atacar as tropas de cerco - mas o único caminho possível era pelo Norte, pelo território do Senegal. A escolha de Spinola não era fácil: ou mandava retirar de Guidaje e, com isso, acabava por abrir uma brecha irreparável no dispositivo militar - ou violava as fronteiras de um país estrangeiro, numa melindrosa operação militar de resultados imprevisíveis. As relações entre Portugal e o presidente do Senegal, Leopold Senghor, tinham azedado um ano antes.
O general Spinola, decidido a encontrar uma solução política para a guerra, encontrou-se com Leopold Senghor, respeitadíssimo líder africano pro-ocidental, que aceitara o papel de intermediário com o PAIGC. O encontro decorreu em Cap Skining, no Senegal, em Maio de 1972, e envolveu uma operação secreta de protecção ao comandante-chefe da Guine.
Uma companhia de pára-quedistas foi enviada para a zona do encontro - enquanto helicópteros, equipados com canhões, sobrevoam a região a grande altitude. O comando dessa operação foi entregue a Carlos Fabião. As ordens eram claras: ao mínimo sinal de perigo, toda a área seria bombardeada do ar - depois, avançavam os pára-quedistas para recolher os corpos. Spinola não podia ser apanhado: nem vivo, nem morto. O encontro, porém, decorreu sem incidentes. Spinola e Senghor chegam a uma solução de compromisso: cessar-fogo por um período de 10 anos, após o qual seria sufragada uma solução para a Guiné - independência total ou integração numa federação.
Spinola voa para Lisboa. Traz um plano sério para acabar com a guerra. É recebido pelo presidente do Conselho, na última semana de Maio de 1972. Mas Marcelo Caetano rejeitou o plano de paz, com o argumento de que era preferível uma derrota militar com honra a um acordo negociado com terroristas. António de Spinola voltou amargurado e ofendido a Bissau.
Leopold Senghor, irritado com a recusa de Marcelo Caetano, passa a apoiar o PAIGC na guerra: abre as fronteiras do Senegal a instalação de bases dos guerrilheiros. O movimento de guerrilha aproveita estas facilidades e põe a Guiné a ferro e fogo. No inicio de 1973, um ano depois do encontro de Spinola com o presidente senegalês, a tropa portuguesa estava em grandes dificuldades, apertada numa fortíssima tenaz: uma garra apertava Guilege, no Sul, a outra esmagava Guidaje, no Norte.
Perante a necessidade de aliviar a pressão sobre Guidaje, o comandante-chefe arriscou o ataque - pelo Norte, através do território do Senegal. Para operações arriscadas, combatentes de rija tempera. E mandou chamar o então major João de Almeida Bruno, comandante do Batalhão de Comandos Africanos, uma unidade de elite constituída por naturais da província.
Almeida Bruno, quando terminou a última comissão na Guine, era um dos peitos mais brilhantes do Exército: exibia uma Torre e Espada, uma medalha de prata de Valor Militar, duas Cruzes de Guerra, três medalhas de Serviços Distintos. Coube-lhe planear -a operação. E, fiel a mania de dar nomes de pedras preciosas às acções militares que executava, deu-lhe o nome de código de "Operação Ametista Real". A ordem não podia ser mais clara: atacar a base do PAIGC de Kumbamory, cerca de cinco quilómetros a Norte da fronteira, de modo a deixa-la em escombros ou, pelo menos, a causar grande numero de baixas e a destruir a maior quantidade possível de material de guerra.
A ordem era clara e simples, mas o objectivo era nebrinoso e difícil. Até porque os portugueses não dispunham da exacta localização da base do PAIGC. Apenas sabiam que era, algures, na zona de Kumbamory. Pormenor de somenos importância... Ainda assim, a operação foi em frente - executada por 450 homens do Batalhão de Comandos Africanos.

A ferro e fogo
A guarnição portuguesa de Guidage, mesmo em cima da fronteira, era constituída pela Companhia de Caçadores 19 e pelo Pelotão de Artilharia 24 - num total de 200 soldados, todos do recrutamento local. Ao redor do quartel estava erguida uma pequena aldeia. As forças de cerco do PAIGC eram compostas por cerca de 700 guerrilheiros, comandados por Francisco Mendes e Manuel dos Santos.
As tropas da guerrilha começaram por cortar todos os acessos a Guidaje através da província, pelo Sul, com a ocupação da zona por grande numero de combatentes e pela instalação de vastos campos de minas. As forças do PAIGC eram reabastecidas pelo Norte, a partir de Kumbamory, no Senegal - o que lhes permitia manter o cerco por tempo indeterminado.
O quartel de Guidaje estava completamente isolado. Nos primeiros dias de Maio, um avião bombardeiro T-6 e dois Dornier 27 foram abatidos por mísseis anti-aéreos “Strella”. Colunas de pára-quedistas não conseguiram romper o cerco por terra - de tal maneira que, entre 8 e 10 de Maio, sofreram 13 mortos e 41 feridos. Apenas no dia 12, uma coluna de reabastecimento, protegida por dois destacamentos de fuzileiros especiais, conseguiu alcançar Guidaje.
Na tarde de 19 de Maio de 1973, 450 homens do Batalhão de Comandos Africanos, divididos em três agrupamentos, embarcaram em lanchas da marinha - e subiram o rio Cachéu, até Bigene, onde desembarcaram ao pôr do Sol. Perto da meia noite iniciaram a marcha para Norte. Caminharam a pé durante toda a madrugada - e pisaram território senegales cerca das seis da manha do dia 20. Estava em marcha a Operação Ametista Real.
A força de ataque estava dividida em três agrupamentos, cada um o equivalente a uma companhia: o "Agrupamento Romeu", comandado pelo capitão pára-quedista António Ramos (já falecido); o "Agrupamento Centauro", sob o comando do capitão Raul Folques (hoje, coronel); e o "Agrupamento Bombox", comandado pelo capitão Matos Gomes (actualmente, coronel).
O comandante da operação, Almeida Bruno, seguiu integrado no "Agrupamento Romeu", que levava um grupo especial comandado por Marcelino da Mata, combatente assanhado, um verdadeiro "rambo" da Guine.
As tropas de assalto portuguesas estavam entregues à sua sorte. Não podiam ser reabastecidas, nem por terra nem por helicóptero. Teriam que transportar os mortos e feridos - e, se precisassem de mais munições, não lhes restava outro remédio que não fosse servirem-se dos paióis inimigos que esperavam descobrir.
As dificuldades não se ficavam por aqui: ao lado dos guerrilheiros do PAIGC, Almeida Bruno encontrou forças do Senegal e da Mauritânia dispostas a ganhar a dura e decisiva batalha.

Ataque a Kumbamory
A guarnição portuguesa de Guidaje, no Norte da Guiné, mesmo em cima da fronteira com o Senegal, num total de 200 soldados, estava completamente isolada por cerca de 700 guerrilheiros do PAIGC comandados por Francisco Mendes e Manuel dos Santos. Mas uma unidade especial de comandos, sob as ordens directas de Almeida Bruno, pôs-se a caminho para libertar o quartel - através de um ataque as forças de cerco lançado a partir de, Kumbamory, no interior do Senegal.
As tropas da guerrilha começaram por cortar todos os acessos a Guidage através da província, pelo Sul: ocuparam a zona com grande número de combatentes e ergueram vastos campos de minas. As forças do PAIGC eram reabastecidas pelo Norte, a partir de Kumbamory, no Senegal - o que lhes permitia manter o cerco por tempo indeterminado. O quartel de Guidage estava completamente isolado. Mas uma unidade de comandos, sob as ordens directas de Almeida Bruno foi mobilizada para acudir a guarnição portuguesa.
As tropas de assalto portuguesas estavam armadas com material capturado a guerrilheiros do PAIG em operações anteriores, como espingardas-automáticas kalashnikov, granadas de mão e granadas-foguete.


Comandos sofrem 25 mortos
Pouco depois das seis e meia da manhã, de 20 de Maio de 1973, as forças portuguesas cortaram uma estrada paralela à fronteira - e retêm um batalhão de pára-quedistas do Senegal em missão de reconhecimento. O comandante senegalês diz que a base de guerrilha se encontra em solo português: pede à nossas tropas para abandonarem rapidamente o país e garante que o caso não daria origem a incidentes diplomáticos. Almeida Bruno recorda que a conversa decorreu “cordial, amistosa e muito franca” - e continuou o caminho para a base do PAIGC. A batalha iria começar dentro de hora e meia.
Às oito em ponto, aviões Fiat da Força Aérea iniciam pesado bombardeamento sobre a zona de Kumbamory - executado um pouco às cegas, uma vez que não se sabia exactamente onde estava instalada a base. Mas a sorte, desta vez, esteve do lado dos portugueses. As bombas da aviação acertaram em cheio em alguns paióis do PAIGC.
Mal cessou o ataque aéreo, os agrupamentos "Bombox", do capitão Matos Gomes, e "Centauro", do capitão Raul Folques, lançaram o assalto inicial - enquanto o agrupamento "Romeu", comandado pelo capitão António Ramos, onde seguia o comandante da operação, Almeida Bruno, tomava posições como força de reserva. O que se passou a seguir nem os mais fiéis filmes de guerra conseguem reconstituir.
O agrupamento de reserva, na verdade, não chegou a estar de reserva - nem durante um escasso minuto. As três unidades viram-se, de repente, envolvidas em violentos combates. Travou-se dura batalha. Soube-se, mais tarde, que os portugueses enfrentaram militares senegaleses e mauritanos ao lado dos guerrilheiros do PAIGC.
Foi uma operação de grande dificuldade - porque os combatentes de ambos os lados se encontravam muito próximos e era impossível delimitar com clareza uma frente de combate. Lutava-se praticamente corpo a corpo. O capitão Raul Folques foi ferido com gravidade numa perna e o seu agrupamento esgotou as munições. Os combates duraram até ao meio-dia, quando os guerrilheiros começaram a retirar do terreno. A batalha demorou quatro horas. As nossas tropas sofreram 25 mortos e 23 feridos graves.
Pouco depois do meio-dia, Almeida Bruno ordenou a progressão a caminho do aquartelamento de Guidage. O movimento fez-se com lentidão, interrompido por vários combates. Até que, por volta das quatro da tarde, os guerrilheiros retiraram da zona e deixaram o caminho livre às nossas tropas - que chegaram a Guidage. as seis da tarde. No dia seguinte, a força de comandos abandonou o quartel, onde deixou os mortos e os feridos, e seguiu para Sul, para a margem direita do rio Cacheu, onde foi recolhida pela Marinha de regresso a Bissau. A base do PAIGC na região de Kumbamory ficou arrasada. Foram destruídos 22 depósitos de material de guerra. As forças portuguesas causaram 67 mortos, entre eles dois médicos cubanos e alguns soldados mauritanos. Mas o principal do objectivo alcançado com a Operação Ametista Real foi a “libertação” do aquartelamento de Guidage, As forças de cerco foram obrigadas a aliviar a pressão sobre o aquartelamento - e isso permitiu render a guarnição e recuperar a iniciativa da guerra no Norte da Guiné.

Combates a Sul
Ao mesmo tempo que o comandante-chefe da Guiné, general António de Spínola, conseguia sacudir a pressão que a poderosa tenaz do PAIGC exercia sobre o Norte da Guiné - a Sul a outra ponte de tenaz apertava o aquartelamento português de Guileje.
As tropas portuguesas aquarteladas em Guileje (constituídas por uma companhia de Cavalaria, um pelotão de Artelharia, uma secção de autometralhadoras Fox e um pelotão de milicias), comandadas pelo major Coutinho de Lima, não resistiram ao cerco cada vez mais apertado montado por uma importante força do PAIGC comandada por Nino Vieira.
As operações da guerrilha contra as tropas de Guileje iniciaram-se a 18 de Maio de 1973. Manhã cedo, os guerrilheiros emboscaram um grupo português a caminho de um poço, a cerca de dois quilómetros do quartel. Sofremos dois mortos e sete feridos.
O PAIGC tinha deslocado para a região uma considerável força militar. Seiscentos guerrilheiros e unidades de artilharia pesada, efectivo idêntico ao que fora concentrado no Norte contra Guidage, tinham como objectivo ocupar a zona de Guileje dominada pela nossa tropa. A ofensiva da guerrilha, com o nome de código de Operação Amílcar Cabral, foi coroada de êxito. Nino Vieira conseguiu ocupar a posição e deixou o general Spínola a espumar de raiva.


OS ANOS DA GUERRA COLONIAL (1961 - 1974)
MANUEL CATARINO - Jornal 24 horas

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