Operação Mar Verde
A 22 de Novembro de 1970, uma força especial constituída por comandos e fuzileiros, sob as ordens do capitão-tenente Alpoim Calvão, levou a cabo uma operação sem paralelo em toda a Guerra Colonial: a invasão de um país estrangeiro, a Guiné-Conacri, com o objectivo, entre outros, o de eliminar o presidente da República, Amed Sekou Touré, e resgatar 26 militares portugueses que, não fora isso, tão cedo ou nunca alcançariam a liberdade.
A história da Operação Mar Verde parece um filme americano - um desses filmes com Chuk Norris à frente da Força Deita numa missão militar fantástica. Com uma diferença: a história da Operação Mar Verde é verdadeira e foi protagonizada por soldados portugueses no dia 22 de Novembro de 1970.
A missão era arriscada e os objectivos ousados. Pretendia-se realizar um golpe de Estado na República da Guiné: constava do plano de operações eliminar o presidente Sekou Touré e substituí-lo por um governo favorável aos interesses portugueses. Estava previsto aniquilar instalações do PAIGC em Conacri, atacar o Campo de Milícias Populares e destruir aviões de combate. Por fim, as tropas regressariam a casa com 26 militares portugueses resgatados da prisão de Lã Montaigne.
O PAIGC, o movimento nacionalista dirigido por Amílcar Cabral, tinha as suas bases na República da Guiné - ponto de apoio fundamental que permitia aos guerrilheiros colocarem a nossa província da Guiné a ferro e fogo. O país dirigido com mão férrea por Sekou Touré era, pelo apoio que concedia ao movimento de guerrilha, considerado como um inimigo de Portugal.
O porto de Conacri, capital da República da Guiné, servia de abrigo a lanchas motorizadas do PAIGC - embarcações de grande valia para as incursões dos guerrilheiros na nossa província entrecortada por rios. Para mais, a guerrilha apoderara-se de quatro lanchas portuguesas.
No Verão de 1969, o general Spínola, governador e comandante-chefe da Guiné, estava de férias na metrópole. Alpoim Calvão, que tinha terminado mais uma operação, fez-lhe uma visita nas termas do Luso. Levava um plano arrojado: eliminar as lanchas do PAIGC, de uma assentada, no porto de Conacri - em vez de as capturar, uma a uma, em desgastantes operações de emboscada nas bolanhas da Guiné Portuguesa.
Spínola gostou da ideia - e autorizou o ataque. A operação seria desencadeada por uma equipa de mergulhadores, que fariam explodir as lanchas através de minas-lapa colocadas nos cascos. Restava um problema: Portugal não tinha nos seus paióis aquele tipo de explosivos. Mas o Governo trataria de as arranjar na África do Sul.
Alpoim Calvão viajou para Pretória, em Setembro de 1969, na companhia do chefe da delegação da PIDE em Bissau, inspector Matos Rodrigues. Os dois homens encontraram-se com pessoal dos serviços secretos sul-africanos, o Bureau of State Security (BOSS) - e regressaram com as tão desejadas minas-lapa.
Faltava ainda resolver outro problema. Não tínhamos mapas actualizados do porto de Conacri. Durante vários dias, os navios mercantes portugueses e estrangeiros que atracavam em Bissau foram discretamente vasculhados. Até que se descobriu uma carta marítima de Conacri, mas desactualizada. Mas Alpoim Calvão estava decidido. E, na madrugada de 17 de Setembro de 1969, fez uma incursão secreta nas águas do porto de Conacri: actualizou o mapa - e regressou a Bissau. Estava tudo pronto para a acção dos mergulhadores.
A história da Operação Mar Verde parece um filme americano - um desses filmes com Chuk Norris à frente da Força Deita numa missão militar fantástica. Com uma diferença: a história da Operação Mar Verde é verdadeira e foi protagonizada por soldados portugueses no dia 22 de Novembro de 1970.
A missão era arriscada e os objectivos ousados. Pretendia-se realizar um golpe de Estado na República da Guiné: constava do plano de operações eliminar o presidente Sekou Touré e substituí-lo por um governo favorável aos interesses portugueses. Estava previsto aniquilar instalações do PAIGC em Conacri, atacar o Campo de Milícias Populares e destruir aviões de combate. Por fim, as tropas regressariam a casa com 26 militares portugueses resgatados da prisão de Lã Montaigne.
O PAIGC, o movimento nacionalista dirigido por Amílcar Cabral, tinha as suas bases na República da Guiné - ponto de apoio fundamental que permitia aos guerrilheiros colocarem a nossa província da Guiné a ferro e fogo. O país dirigido com mão férrea por Sekou Touré era, pelo apoio que concedia ao movimento de guerrilha, considerado como um inimigo de Portugal.
O porto de Conacri, capital da República da Guiné, servia de abrigo a lanchas motorizadas do PAIGC - embarcações de grande valia para as incursões dos guerrilheiros na nossa província entrecortada por rios. Para mais, a guerrilha apoderara-se de quatro lanchas portuguesas.
No Verão de 1969, o general Spínola, governador e comandante-chefe da Guiné, estava de férias na metrópole. Alpoim Calvão, que tinha terminado mais uma operação, fez-lhe uma visita nas termas do Luso. Levava um plano arrojado: eliminar as lanchas do PAIGC, de uma assentada, no porto de Conacri - em vez de as capturar, uma a uma, em desgastantes operações de emboscada nas bolanhas da Guiné Portuguesa.
Spínola gostou da ideia - e autorizou o ataque. A operação seria desencadeada por uma equipa de mergulhadores, que fariam explodir as lanchas através de minas-lapa colocadas nos cascos. Restava um problema: Portugal não tinha nos seus paióis aquele tipo de explosivos. Mas o Governo trataria de as arranjar na África do Sul.
Alpoim Calvão viajou para Pretória, em Setembro de 1969, na companhia do chefe da delegação da PIDE em Bissau, inspector Matos Rodrigues. Os dois homens encontraram-se com pessoal dos serviços secretos sul-africanos, o Bureau of State Security (BOSS) - e regressaram com as tão desejadas minas-lapa.
Faltava ainda resolver outro problema. Não tínhamos mapas actualizados do porto de Conacri. Durante vários dias, os navios mercantes portugueses e estrangeiros que atracavam em Bissau foram discretamente vasculhados. Até que se descobriu uma carta marítima de Conacri, mas desactualizada. Mas Alpoim Calvão estava decidido. E, na madrugada de 17 de Setembro de 1969, fez uma incursão secreta nas águas do porto de Conacri: actualizou o mapa - e regressou a Bissau. Estava tudo pronto para a acção dos mergulhadores.
Alteração de planos
Milhares de dissidentes do regime ditatorial de Sekou Touré estavam dispersos pela Europa, França e Suíça, e por países africanos, como o Senegal, a Gâmbia, a Costa do Marfim. Entre os diversos grupos oposicionistas, destacava-se a Front de Liberation Nacional Guiné (FNLG).
O general Spínola colocou a hipótese de instalar no território português um ramo militar deste partido, a fim de lançar acções de guerrilha contra a vizinha República da Guiné. O ataque às lanchas no porto de Conacri seria o início de uma série de operações contra o país vizinho -, enquadradas, daqui para a frente, nas acções de guerrilha que a FNLG iria levar a cabo com o apoio das tropas portuguesas.
Pensando melhor, o general Spínola desistiu deste perigoso plano. Seguiu avisados conselhos - e abandonou a ideia de criar um grupo de guerrilha contra Sekou Touré. Receava a resposta dos países do Leste, adivinhava a total condenação de Portugal e temia pela sorte dos 26 militares portugueses capturados pelo PAIGC e encarcerados na prisão de Lã Montaigne, em Conacri.
Alpoim Calvão propôs uma alternativa a Spínola: uma única e valente operação na República da Guiné para, de uma penada, resolver todos os problemas -, matar Sekou Touré, colocar no poder um governo da FNLG, destruir alvos militares e libertar os portugueses. A cartada era demasiado alta. Mas Spínola estava disposto a arriscar. Só faltava o beneplácito do Governo. O presidente do Conselho, Marcello Caetano, após; algumas hesitações e dúvidas, acabou por aprovar o arrojado plano.
Milhares de dissidentes do regime ditatorial de Sekou Touré estavam dispersos pela Europa, França e Suíça, e por países africanos, como o Senegal, a Gâmbia, a Costa do Marfim. Entre os diversos grupos oposicionistas, destacava-se a Front de Liberation Nacional Guiné (FNLG).
O general Spínola colocou a hipótese de instalar no território português um ramo militar deste partido, a fim de lançar acções de guerrilha contra a vizinha República da Guiné. O ataque às lanchas no porto de Conacri seria o início de uma série de operações contra o país vizinho -, enquadradas, daqui para a frente, nas acções de guerrilha que a FNLG iria levar a cabo com o apoio das tropas portuguesas.
Pensando melhor, o general Spínola desistiu deste perigoso plano. Seguiu avisados conselhos - e abandonou a ideia de criar um grupo de guerrilha contra Sekou Touré. Receava a resposta dos países do Leste, adivinhava a total condenação de Portugal e temia pela sorte dos 26 militares portugueses capturados pelo PAIGC e encarcerados na prisão de Lã Montaigne, em Conacri.
Alpoim Calvão propôs uma alternativa a Spínola: uma única e valente operação na República da Guiné para, de uma penada, resolver todos os problemas -, matar Sekou Touré, colocar no poder um governo da FNLG, destruir alvos militares e libertar os portugueses. A cartada era demasiado alta. Mas Spínola estava disposto a arriscar. Só faltava o beneplácito do Governo. O presidente do Conselho, Marcello Caetano, após; algumas hesitações e dúvidas, acabou por aprovar o arrojado plano.
Golpe em Conacri
A operação seria comandada por Alpoim Calvão e executada por forças especiais de comandos e fuzileiros. Os preparativos começaram no final do ano de 1969. Tudo no maior dos segredos, a partir de um aquartelamento construído na Ilha de Soga, no Sudoeste da Guiné.
Alpoim Calvão e o homem da PIDE em Bissau, Matos Rodrigues, viajaram diversas vezes para Paris e Genebra, na Suíça, onde se encontraram com representantes da oposição ao regime de Sekou Touré. Missão: combinar a partida para a ilha de Soga de militantes da FNLG que viviam no exílio em diversos países africanos - e que deveriam receber apurado treino militar para participarem na operação.
Nos meses seguintes, lanchas portuguesas, pintadas com outras cores e exibindo o pavilhão do PAIGC, percorreram secretamente e a coberto da noite as costas do Senegal, da Gâmbia e da Serra Leoa. Embarcaram 200 exilados da República da Guiné -, e desembarcaram-nos na Ilha portuguesa de Soga, onde seriam treinados.
Foram escolhidos os melhores instrutores, entre fuzileiros especiais e comandos: primeiro-tenente Rebordão de Brito, segundo-tenente Benjamim Abreu, cabo Lopes Rosa, marinheiros Luís Tristão, António Augusto Silva e C. Moita, alferes Ferreira, furriéis Teixeira e Marcelino da Mata - eles transformaram os exilados guineenses num respeitável grupo de combate.
Daí a pouco, juntaram-se-lhes mais duas unidades já altamente preparadas: o Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 21, comandado pelo primeiro-tenente Cunha e Silva, e uma companhia de comandos, sob as ordens do capitão João Bacar Juló. Estas forças eram constituídas por naturais da nossa província da Guiné incorporados na tropa portuguesa. É o caso, por exemplo, de Marcelino da Mata. Foi alistado como soldado no Batalhão de Comandos Africanos e, sempre por mérito, arrecadou louvores e divisas, tornando-se no mais condecorado oficial do Exército Português. Hoje, é tenente-coronel reformado e vive nos arredores de Lisboa.
A operação seria comandada por Alpoim Calvão e executada por forças especiais de comandos e fuzileiros. Os preparativos começaram no final do ano de 1969. Tudo no maior dos segredos, a partir de um aquartelamento construído na Ilha de Soga, no Sudoeste da Guiné.
Alpoim Calvão e o homem da PIDE em Bissau, Matos Rodrigues, viajaram diversas vezes para Paris e Genebra, na Suíça, onde se encontraram com representantes da oposição ao regime de Sekou Touré. Missão: combinar a partida para a ilha de Soga de militantes da FNLG que viviam no exílio em diversos países africanos - e que deveriam receber apurado treino militar para participarem na operação.
Nos meses seguintes, lanchas portuguesas, pintadas com outras cores e exibindo o pavilhão do PAIGC, percorreram secretamente e a coberto da noite as costas do Senegal, da Gâmbia e da Serra Leoa. Embarcaram 200 exilados da República da Guiné -, e desembarcaram-nos na Ilha portuguesa de Soga, onde seriam treinados.
Foram escolhidos os melhores instrutores, entre fuzileiros especiais e comandos: primeiro-tenente Rebordão de Brito, segundo-tenente Benjamim Abreu, cabo Lopes Rosa, marinheiros Luís Tristão, António Augusto Silva e C. Moita, alferes Ferreira, furriéis Teixeira e Marcelino da Mata - eles transformaram os exilados guineenses num respeitável grupo de combate.
Daí a pouco, juntaram-se-lhes mais duas unidades já altamente preparadas: o Destacamento de Fuzileiros Especiais n.º 21, comandado pelo primeiro-tenente Cunha e Silva, e uma companhia de comandos, sob as ordens do capitão João Bacar Juló. Estas forças eram constituídas por naturais da nossa província da Guiné incorporados na tropa portuguesa. É o caso, por exemplo, de Marcelino da Mata. Foi alistado como soldado no Batalhão de Comandos Africanos e, sempre por mérito, arrecadou louvores e divisas, tornando-se no mais condecorado oficial do Exército Português. Hoje, é tenente-coronel reformado e vive nos arredores de Lisboa.
Todas as cautelas
As ordens do Governo, chefiado por Marcello Caetano, eram muito claras: as tropas portuguesas não deviam deixar o mais leve vestígio da presença em Conacri. A acção militar deveria decorrer de modo a parecer uma iniciativa dos exilados da República da Guiné.
O material de guerra utilizado também não podia ser de origem europeia - e o nosso País, mais uma vez com a ajuda dos serviços secretos da África do Sul, conseguiu obter da Checoslováquia um carregamento de espingardas-metralhadoras Kalashnikov, munições, lança-granadas e morteiros. Até as fardas era diferentes das nossas. Todo o pessoal envergava uniformes iguais aos utilizados pela tropa da República da Guiné.
Aproximava-se o grande dia da Operação Mar Verde. As unidades de combate partiam de Soga em lanchas da Armada, ao fim da tarde de 20 de Novembro de 1970 - e, na madrugada do dia 22, alcançavam o porto da capital da República da Guine. Aí, entravam em acção.
Uma coisa ainda preocupava o comandante Alpoim Calvão: não tinha um mapa actualizado de Conacri. A informação recolhida em livros e folhetos turísticos não era suficiente. Surgiu então uma boa notícia. Um fuzileiro português, de nome Alfaiate, desertara - mas arrependeu-se ao fim de escassos meses e conseguiu fugir para se entregar às tropas portugueses. Estivera em Conacri e conhecia bem a cidade. Alfaiate forneceu indicações preciosas. E foi com esse mapa que Alpoim Calvão partiu para a mais arrojada operação alguma vez levada a cabo nos 14 anos da Guerra Colonial.
As ordens do Governo, chefiado por Marcello Caetano, eram muito claras: as tropas portuguesas não deviam deixar o mais leve vestígio da presença em Conacri. A acção militar deveria decorrer de modo a parecer uma iniciativa dos exilados da República da Guiné.
O material de guerra utilizado também não podia ser de origem europeia - e o nosso País, mais uma vez com a ajuda dos serviços secretos da África do Sul, conseguiu obter da Checoslováquia um carregamento de espingardas-metralhadoras Kalashnikov, munições, lança-granadas e morteiros. Até as fardas era diferentes das nossas. Todo o pessoal envergava uniformes iguais aos utilizados pela tropa da República da Guiné.
Aproximava-se o grande dia da Operação Mar Verde. As unidades de combate partiam de Soga em lanchas da Armada, ao fim da tarde de 20 de Novembro de 1970 - e, na madrugada do dia 22, alcançavam o porto da capital da República da Guine. Aí, entravam em acção.
Uma coisa ainda preocupava o comandante Alpoim Calvão: não tinha um mapa actualizado de Conacri. A informação recolhida em livros e folhetos turísticos não era suficiente. Surgiu então uma boa notícia. Um fuzileiro português, de nome Alfaiate, desertara - mas arrependeu-se ao fim de escassos meses e conseguiu fugir para se entregar às tropas portugueses. Estivera em Conacri e conhecia bem a cidade. Alfaiate forneceu indicações preciosas. E foi com esse mapa que Alpoim Calvão partiu para a mais arrojada operação alguma vez levada a cabo nos 14 anos da Guerra Colonial.
Matar Sekou Touré
As forças de ataque, comandadas por Alpoim Calvão, tinham como missão matar o presidente da República da Guiné, Sekou Touré, e colocar no poder um governo favorável aos interesses de Portugal. Outros objectivos: arrasar instalações do PAIGC em Conacri, atacar alvos militares e destruir aviões de combate, libertar 26 militares portugueses da prisão de La Montaigne. Apenas um objectivo foi inteiramente cumprido. o ataque à cadeia e o resgate dos prisioneiros - sãos e salvos.
As tropas que iriam participar no ataque a Conacri treinaram durante meses na ilha de Soga, no Sudoeste da Guiné. As forças empenhadas eram uma companhia de comandos e o Destacamento de Fuzileiros Especiais 21, unidades exclusivamente constituídas por africanos, a que se juntaram 200 opositores de Sekou Touré. Nas vésperas da partida, o major Leal de Almeida, um dos oficiais destacados para a missão, decidiu que não devia participar - porque não achava conforme a ética e o direito o ataque a um país estrangeiro que, em boa verdade, não tinha declarado guerra a Portugal.
A decisão de Leal de Almeida criou um problema. Ele era o supervisor da companhia de comandos. E o seu exemplo contagiou as tropas. De tal maneira, que o comandante dos comandos, capitão João Bacar Juló, também hesitou. Alpoim Calvão, responsável pela expedição a Conacri, conseguiu convencer o capitão Juló - mas esbarrou na teimosia de Leal de Almeida. Calvão deu-lhe ordem de prisão - e voou com ele num helicóptero para Bissau, a fim de apresentar o caso ao comandante-chefe da Guiné, general António de Spínola.
O general estava a dormir a sesta. Não perdoava duas ou três horas de retemperador sono após o almoço e não gostava de ser interrompido no descanso. E os ordenanças evitavam maçá-lo - porque ele tinha um acordar difícil: ficava irascível.
Naquela tarde, Spínola foi mesmo acordado a meio da sesta. O general ajeitou o monóculo no olho direito e fitou os dois oficiais -à espera de uma boa justificação por ter sido incomodado a meio do sono. Calvão disse-lhe que Leal de Almeida decidira não ir a Conacri.
O comandante-chefe perdeu a compostura. O que acabara de ouvir foi tão forte como um murro na boca do estômago. Espumou de raiva. Fez intenção de esbofetear o major, insultou-o - e obrigou-o a ir. Alpoim Calvão protestou. Disse que perdera toda a confiança em Leal de Almeida e, por isso, não estava disposto a levar para uma operação delicada como aquela um oficial em quem não confiava. Mas o general Spínola, irredutível, pôs ponto final na discussão. O major seguia viagem. E, dito isto, voltou costas - e lá foi terminar a sua sesta.
Acção em Conacri
A força de ataque, embarcada em seis lanchas da Armada, levantou ferro da ilha de Soga a 20 de Novembro de 1970, às 19 horas e 50 minutos. Já era noite cerrada. As embarcações tinham sido pintadas com outras cores e exibiam o pavilhão do PAIGC. O mar estava calmo. As tropas chegaram às imediações do porto de Conacri pouco depois das nove da noite de 22 de Novembro. O comandante da operação, Alpoim Calvão, fixou então a hora de ataque: uma e meia da manhã.
As unidades de assalto estavam divididas em diversos grupos - e cada um deles tinha um objectivo bem definido. A equipa "Victor", comandada pelo segundo-tenente Rebordão de Brito, foi a primeira a desembarcar. Missão: neutralizar as lanchas rápidas atracadas num molhe e armadas com metralhadoras quádruplas. O grumete fuzileiro Abu Camará, armado de faca, matou silenciosamente a sentinela - o que permitiu a entrada a bordo das lanchas. As primeiras três foram destruídas à granada sem a mais leve resistência. A seguir, o grupo de assalto atravessou velozmente uma ponte - e, debaixo de fogo, atirou-se a mais três navios, que foram destruídos. Sofreu apenas dois feridos ligeiros.
Quando a equipa "Victor" iniciou o ataque às primeiras três lanchas, um outro grupo de assalto tomava posições em terra - era a equipa "Zulu". Dividiu-se em três unidades.
Uma, comandada pelo primeiro-tenente Cunha e Silva, dirigiu-se à prisão de La Montaigne. Houve forte tiroteio. Mas os 26 prisioneiros foram libertados.
Outra, sob as ordens do sub-tenente Falcão Lucas, atacou e destruiu cinco edifícios ocupados por quadros do PAIGC, rebentou com meia dúzia de carros e abateu alguns militantes do movimento liderado por Amílcar Cabral.
A terceira, comandada pelo segundo-tenente Benjamim Abreu atacou a residência de Sekou Touré. De acordo com informações recolhidas pela PIDE, o Presidente da República da Guiné deveria estar em casa. Uma sentinela tombou sem vida, atingida por uma rajada de metralhadora disparada pelo cabo fuzileiro Costa Deitado. O edifício era constituído por dois blocos.
Um grupo formado pelo segundo-tenente Benjamim Abreu, pelos cabos Costa Delgado e Telmo e pelos grumetes Aurélio Azinhaga e Augusto Có entraram no edifício percorreram-no de uma ponta a outra, à procura de Sekou Touré, para o matar. Mas não encontraram ninguém: a casa estava impecavelmente arrumada a as camas estavam feitas. O Presidente escapou de morte certa. O segundo-tenente Benjamim Abreu cumprindo escrupulosamente o plano de operações, ordenou a destruição do edifício com granadas-foguete e granadas de mão.
Enquanto a casa de Sekou Touré ardia numa gigantesca bola de fogo, o grupo comandado por Benjamim Abreu progredia em direcção ao campo da Milícia Popular, a escassos 100 metros dali. Travaram-se os mais violentos combates de toda a operação. O grumete fuzileiro Augusto Có fez dois disparos com o lança granadas-foguete - e os projécteis caíram em cima das casernas das milícias e provocaram um número elevado de mortos. Nesta altura, surgiram três inimigos armados - que foram abatidos: um por Benjamim Abreu; outro pelo cabo Costa Deitado; e o terceiro pelo grumete Aurélio Azinhaga. Na confusão da batalha, aparece um carro da marca Volkswagen. O automóvel foi atacado pelas tropas portugueses e o condutor varado por uma rajada de metralhadora. A vítima era um homem da República Federal da Alemanha.
Os ataques foram lançados contra os diversos objectivos com intervalos cirúrgicos de escassos minutos. Ainda a equipa "Zulu" combatia na cadeia de La Montaigne, na residência de Sekou Touré e no Campo das Milícias - a equipa "Oscar" constituída por soldados portugueses e guineenses oposicionistas de Sekou Touré, e encabeçada pelos alferes Ferreira e Tomás Camarã, atacam o quartel da Guarda Republicana. As tropas de assalto sofrem a primeira baixa: o alferes Ferreira, quando tentava dominar uma sentinela, caiu perpassado por uma rajada de arma automática. Valeu a determinação do furriel Marcelino da Mala, urna verdadeira máquina de guerra. Mergulhou através das vidraças da casa da guarda - e, quando caiu lá dentro, no meio da confusão de vidros partidos, matou os oponentes a tiro. Marcelino da Mata abriu os portões do quartel. E o resto do grupo entrou de rompante e tomou posições de modo cobrir todas as saídas das casernas: os guardas foram abatidos quando tentaram sair, outros fugiram na escuridão da noite. Os portugueses libertaram então umas centenas de presos políticos, todos naturais da República da Guiné, e entregaram o quartel aos homens que se opunham ao regime de Sekou Touré.
Portugueses em liberdade
A grande coroa de gloria da Operação Mar Verde, a mais temerária de todas as que foram conduzidas na guerra de Africa, foi ganha coma libertação dos 26 militares portugueses que, se não fosse o ataque a Conacri, tarde ou nunca seriam libertados.
Pouco depois das duas horas da manhã de 22 de Novembro de 1970, já as tropas portuguesas tinham posto a cidade de Conacri a ferro e fogo. Os ataques contra os diversos objectivos foram lançados pelos vários grupos de assalto, com intervalos de escassos minutos. Ainda a equipa Zulu combatia na cadeia de La Montaigne, na residência de Sekou Toure e no Campo das Milícias, e a equipa Óscar atacava com êxito o quartel da Guarda Republicana, a equipa Índia rebentava com a central eléctrica e a equipa Mike arrasava o Campo Militar Samory.
Explosões sacudiam a cidade. Conacri apenas era iluminada pelos relâmpagos dos disparos e pelas labaredas em que ardiam os alvos atacados pelos portugueses.
O grupo Sierra, comandado pelo capitão pára-quedista Lopes Morais, tinha como missão atacar o aeroporto e destruir os aviões de caça Mig, de fabrico soviético. Era imprescindível pô-los fora de combate a fim de as lanchas portuguesas não serem perseguidas e atacadas no regresso a Bissau.
O capitão Morais coxeava: aleijara-se num salto de pára-quedas, semanas antes, e o esforço agravara a lesão. Ainda assim, forçou a marcha a caminho do aeroporto. Segunda contrariedade: verificou que o tenente Januário tinha fugido com um pelotão de 20 comandos. "O tenente fugiu com 20 homens, traiu-me miseravelmente", disse ele pelo rádio ao comandante da operação, Alpoim Calvão. Mas, naquela altura, só uma coisa importava: localizar os Mig e destruí-los.
O aeroporto estava rodeado de arame farpado. Cortaram o arame e entraram. Percorreram a placa e a pista. Nem sinal dos Mig. Apenas dois aviões comerciais Caramelos da companhia Air Afrique e quatro aparelhos civis bi-motores tipo Fokker 27. Vasculharam os hangares. Nada. O comandante da operação, Alpoim Calvão, deu pelo rádio ordem de retirada.
Entretanto, um outro grupo de assalto, a equipa Alfa tinha conseguido entrar no palácio presidencial, à procura de Sekou Toure. O enorme edifico estava deserto.
A caminho de Bissau
Pelas quatro e meia da manhã, o comandante Alpoim Calvão ordenou que todas as equipas de combate ainda em terra regressassem ao porto de Conacri de modo a embarcarem nas lanchas de regresso a casa.
A maior parte dos objectivos da Operação Mar Verde não foram alcançados. O presidente Sekou Toure não fora encontrado e eliminado, os alvos do PAIGC foram atingidos em parte, os aviões Mig não chegaram a ser postos fora de acção. O êxito do golpe de Estado, outro propósito da operação, dependia da capacidade das centenas de opositores de Sekou Toure que, como estava previsto desde o início ficavam a combater na cidade. Aguentaram-se durante oito dias até que foram dominados pelas forças leais a Sekou Touré. Mas a grande coroa de glória do ataque a Conacri foi ganha com a libertação dos 26 militares que, não fora isso, tarde ou nunca seriam libertados.
Cerca das nove da manhã do dia 22, todas as equipas de assalto tinham sido embarcadas. Uma das lanchas foi atacada por quatro morteiros disparados de terra. Mas essa boca de fogo acabou por ser calada pela artilharia de uma outra embarcação portuguesa. Alpoim Calvão esperava a todo o momento que os aviões Mig lhe caíssem em cima. Mas o regresso a casa decorreu sem incidentes. A força de ataque chegou à Ilha de Soga cerca das quatro e meia da tarde de 23 de Novembro.
No dia seguinte, os 26 portugueses libertados foram de barco para Bissau. O Governador e comandante-chefe, general António de Spínola, esperava-os no porto. De todos os prisioneiros, o então sargento aviador António Lobato era o que estava mais cansado: passara quase sete anos e meio nas mãos do PAIGC. Spinola despiu a gabardina e agasalhou-o.
Lobato fora capturado na região de Catió, no sudoeste da Guine. Tinha participado, aos comandos de avião T-6, numa missão de bombardeamento da Ilha de Como. Chocou contra outro aparelho - que se despenhou imediatamente e matou o piloto. O sargento Lobato, com as hélices destroçadas, conseguiu aterrar. Mas foi cercado pela população com ganas para o linchar. Foi severamente atingido por uma coronhada na cabeça - e ainda hoje carrega essa marca. Foi salvo por guerrilheiros do PAIGC.
Os dirigentes do PAIGC tentaram convencê-lo a declarar-se solidário com o movimento de libertação a troco de ir viver para um país do Leste. Lobato recusou. Foi libertado da prisão de La Montaigne, na madrugada de 22 de Novembro de 1970, por um grupo de fuzileiros especiais comandado pelo primeiro-tenente Cunha e Silva.
Governo nega tudo
Por causa do ataque a Conacri, Portugal foi duramente criticado pela comunidade internacional. O nosso país era acusado de um acto de guerra e violação das fronteiras de um Estado soberano. Os atacantes praticamente não deixaram provas materiais no terreno, mas foram denunciados pelos soldados desertores e pelas forças de oposição guineenses que acabaram por sucumbir às tropas de Sekou Toure. Ainda assim, o Governo chefiado por Marcello Caetano sempre negou com todas as forças que a temerária Operação Mar Verde alguma vez tivesse sido levada a cabo.
Após o regresso a Portugal dos militares libertados em Conacri, o Governo bateu-se por convencer o Mundo a acreditar numa fantástica história de heroísmo: eles teriam fugido sozinhos da prisão de La Montaigne. O sargento António Lobato foi levado à televisão para ser entrevistado por José Mensurado. O aviador fez o que lhe tinha sido exigido: negou, com inabalável segurança, o envolvimento de tropas portuguesas na libertação dos prisioneiros de La Montaigne - ele e os companheiros de reclusão, disse, escaparam pelos seus próprios meios.
A Operação Mar Verde provou a capacidade operacional das forças especiais portuguesas. Mas deixou a descoberto a impreparação da PIDE, a policia politica do regime, para o aturado trabalho de recolha de informação classificada. As forças de assalto desembarcaram em Conacri, atingiram os alvos que constavam do plano de operações mas não encontraram nesses locais aquilo que a PIDE lhes garantira que iriam encontrar. As informações não eram exactas.
O Rambo da Guiné
Marcelino da Mata, guineense de etnia papel, tinha 19 anos quando um irmão, que andava fugido da tropa, lhe pediu que fosse ao Centro de Recrutamento em Bissau saber em que situação se encontrava. Marcelino foi e o sargento não perdeu tempo: "O teu irmão faltou, mas to ficas cá".
Assim começou a carreira militar de Marcelino da Mata. Foi incorporado nos comandos. Tornou-se numa verdadeira máquina de guerra. Começou no posto de soldado e, ao longo dos anos em que participou em 2.414 operações nas matas e bolanhas da Guine, nunca deixou de ser promovido, sempre por distinção. "O Marcelino era um combatente terrível. Não vi outro igual. O Rambo ao pé era uma criança. E não estou a ser espirituoso, é verdade", diz um oficial que o viu muitas vezes em acção. A sua extensa folha de serviços, de resto, não deixa mentir.
Hoje, com 63 anos, Marcelino da Mata é tenente-coronel na reforma. É o oficial mais condecorado do Exército: uma Torre e Espada, três Cruzes de Guerra de 1ª classe, uma de 2ª classe, e outra de 3ª classe. Aos louvores por actos de bravura em combate já lhes perdeu conta: são, seguramente, para cima de 40.
Ganhou as primeiras Cruzes de Guerra (uma de 1ª classe, outra de 2ª classe) na Operação Tridente, em 1964, no ataque a Ilha do Como, na Guiné. Mas a recebeu em 1967. Foi a primeira vez que pisou a Metropole. Nesse tempo, a 10 de Junho, comemorava-se o Dia da Raça. O regime condecorava os herois das campanhas de África numa monumental parada no Terreiro do Paço. Era a primeira vez que um negro recebia tão honrosas condecorações. E Salazar, que deixava a honraria da imposição das medalhas ao Presidente Américo Tomás, dessa vez fez questão de estar prresente - e foi ele quem condecorou Marcelino da Mata.
BIBLIOGRAFIA
Manuel Catarino - Jornal 24 Horas
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