Eleições
A semana passada foi marcada pela aprovação do Orçamento do Estado, pelas acusações contra Gomes Júnior e pelos apelos da ONU
A semana que passou teve de tudo na política guineense. Começou com os partidos a contestarem a nomeação (que dizem ilegal e inconstitucional) de Zamora Induta para a chefia interina do Estado Maior General das Forças Armadas e terminou com o Conselho de Segurança da ONU a exortar "o governo provisório e todos os agentes políticos da Guiné-Bissau a criarem as condições óptimas" para que as eleições de Junho sejam "livres, transparentes e credíveis".
Na reunião do Conselho em que foi analisada a situação do país, o enviado especial da ONU, Joseph Mutaboba, solicitou apoio para o processo eleitoral, para a reforma da segurança e para a comissão de inquérito às mortes do presidente Nino Vieira e do anterior chefe do Estado-Maior, Tagme Na Waie. Também nos últimos dias, dois candidatos, Henrique Rosa e Aristides Gomes avançaram oficialmente para as presidenciais.
O Governo apresentou, na segunda-feira, o Orçamento para este ano, o qual acabou por ser aprovado com 75 votos a favor, 29 abstenções e nenhum voto contra.
Mas, na terça, antes ainda do início do debate das contas públicas, uma "bomba" rebentou. Em entrevista à RDP-África, a partir de Lisboa - onde está em convalescença após ter sido alegadamente agredido por militares - Francisco Fadul, presidente do Tribunal de Contas, acusou o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e o recém-nomeado chefe do Estado-Maior, Zamora Induta, de terem estado envolvidos nos assassinatos de Nino Vieira e de Tagme.
Horas depois, Zamora Induta, considerou Fadul - com quem trabalhou quando esteve no governo de transição - um "nazi, corrupto e devasso". O chefe de Estado-Maior interino afirmou que Fadul "será responsabilizado pelo que disse" e adiantou que já é conhecida a equipa que matou Tagme a 1 de Março. "As pessoas que puseram a bomba já confessaram" garantiu o ex-elemento da Junta Militar. "O outro crime (a morte de Nino não nos compete investigar porque o governo já criou uma comissão da qual fazemos parte", sublinhou.
O Ministério Público anunciou entretanto a abertura de um "inquéritos para a descoberta da verdade material dos factos, ouvindo o denunciante e os denunciados". O chefe do executivo Carlos Gomes Júnior afirmou apenas que "cada um se responsabiliza por aquilo que tira da boca".
Nos próximos dias chega a Bissau João Miranda, o enviado especial da União
Entrevista com Francisco Fadul
"ONU devia fazer da Guiné protectorado por dez anos"
Francisco Fadul foi, na Guiné-Bissau e num dado momento, uma figura de esperança. Acabada a guerra que se seguiu ao 7 de Junho de 1998, liderou um governo de salvação e projectou-se então uma ideia de futuro para o país, que parecia pronto para se levantar do chão. Porém, rupturas consecutivas e de todo o tipo, num ambiente de desvario e de violência, levaram a Guiné-Bissau para a beira do abismo. Fadul falou com o DN em Lisboa, onde está a recuperar após ter sido agredido por militares na sua casa em Bissau.
O que é que correu mal depois de 1998?
Ficou activa muita gente do tempo antigo e as eleições levaram Kumba Ialá e o seu partido, o PRS, ao poder.
De forma legítima…
A legitimação vem do voto popular e do que se faz com esse voto.
Então o problema resulta não das eleições mas da prática do poder…
Há um jogo diabólico no exercício do poder mas antes disso há o que posso chamar de "corrupção eleitoral".
Que é?
O condicionamento de uma população muito pobre, através de ofertas directas ou dos chamados "homens grandes", que são autoridades tradicionais ou religiosas com muito poder nas comunidades.
Dito assim, parece não haver solução para o país...
A solução existe, se a parte guineense tiver espírito de serviço e a comunidade Internacional actuar contra a má governação, a corrupção e o atropelo dos direitos humanos.
Como?
Fazendo da Guiné-Bissau um protectorado, como aconteceu com Timor-Leste, pondo a funcionar, num prazo de, por exemplo, dez anos, o Estado guineense.
E os guineenses aceitam?
Os que se aproveitam da actual situação, não. O povo, que ao fim de dois meses começaria a ver sinais de regeneração, sim.
E a CPLP?
Cheguei a sugerir um pacto de defesa, no âmbito da CPLP, quando, como primeiro-ministro, falei com o meu homólogo português de então, António Guterres.
Porque não pede a Guiné-Bissau essa ajuda externa?
Porque o país está sequestrado por poderes complementares e coniventes, com uma lógica de salve-se quem puder e quem tem a mão na massa já está salvo…
O que é a Guiné-Bissau hoje? Um Estado falhado? Um narco-Estado? Um país com rupturas étnicas?
É tudo isso. O Estado, ao falhar, abriu brechas e o tráfico entrou e instalou-se. E há sinais preocupantes de divisão étnica, por acção oportunista de políticos. Já Amílcar Cabral dizia que
um político oportunista, é um tribalista…
Há quem negue a ideia de um narco-Estado.
Há episódios conhecidos e quem é que não sabe que o tráfico está instalado no arquipélago dos Bijagós? Estão lá as bases…
E quem garante essa instalação do tráfico na Guiné-Bissau?
O poder militar é que tem as armas e escapa à regulação de um poder civil, que não actua.
A morte do presidente Nino Vieira e do general Tagme Na Waie mudou alguma coisa?
O mal nunca construiu o bem e o crime jamais criou a paz. Há na Guiné-Bissau uma espécie de poder paralelo, que se congela ou descongela de acordo com os seus próprios interesses. Quando descongela actua de forma bárbara, como se viu comigo, como se viu com outros…
Sempre sem explicações e sem culpados?
Nunca há explicações e não quero crer que não se consiga chegar aos culpados.
Mas há indicações, pelo menos, de estarem identificados os autores da morte do presidente Nino e do general Tagme. ..
Mas quem mandou matar os dois? Esta é a pergunta central e o país quer saber.
O novo chefe do Estado Maior General das Forças Armadas guineenses, Zamora Induta, explicou que o presidente mandou matar Tagme e que forças leais a este retaliaram matando o presidente…
Disse-o logo a seguir a estas duas mortes, revelando grande poder de adivinhação….
Não admite que seja verdade?
O cenário foi o de um golpe de Estado. De onde surgiram Zamora Induta e o seu poder? O substituto natural do general Tagme Na Waie era o chefe do Estado Maior do Exército. Mas quem aparece é Zamora Induta, que logo garante a segurança do primeiro-ministro [Carlos Gomes Júnior] mas não a do Presidente...
Sugere uma ligação golpista entre o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e Zamora Induta?
Eram ambos inimigos do presidente...E Zamora Induta torna-se imediatamente interlocutor do governo. Terá sido porque o primeiro-ministro lhe ofereceu um jipe? E porque é que lho ofereceu?
Não vai ter novos problemas quando regressar à Guiné-Bissau [de onde saiu para Lisboa após ter sido agredido em sua casa]?...
Não sou eu quem tem de justificar a legitimidade de situações que ocorreram e responder às questões que todos colocam. E quanto ao regresso, Deus fez-me nascer guineense e tenho de viver na minha terra
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