segunda-feira, 20 de abril de 2009

MOTÍCIAS



Entrevista a Francisco José Fadul, presidente do Tribunal de Contas da Guiné-Bissau
”Nino tinha medo de sair de casa”

Francisco José Fadul, antigo primeiro-ministro, actual presidente do Tribunal de Contas, disse ao nosso jornal que o ex-presidente da República presentia que algo de anormal iria acontecer com ele.
Correio da Manhã – Como está o seu estado de saúde?
Francisco Fadul – Graça a Deus estou bastante melhor, o controlo de cirurgia demonstrou que a operação feita a mão está bem, tenho de agradecer toda a equipa médica pela assistência e atenção que me prestaram.
– Acusou os militares de o terem agredido. Mantém essa acusação?
- Sim, não há dúvida nenhuma. Até porque é um grupo bem definido. Fui espancado em casa por 15 homens vestidos com uniformes militares e armados com AK-47. Roubaram-me dinheiro e bens. Eles ostensivamente telefonaram ao presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Luís Vaz Martins, anunciando que iam arrasar-me. O presidente da Liga foi falar com as chefias militares que lhe garantiram que nada disto iria acontecer. Mas à noite voltaram a telefonar a Luís Vaz Martins a dizer que iriam mesmo atacar-me. A agressão aconteceu poucas horas depois de ter prestado declarações numa conferência de Imprensa em que acusei o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, de estar a revelar atitudes de submissão perante os militares. E disse ainda que há o risco de as Forças Armadas assumirem o poder caso não houver consenso entre a classe política em relação à realização das eleições presidenciais. Depois da agressão de que fui vítima, a Liga emitiu um comunicado muito duro contra os militares. Nesse mesmo dia, um militar armado foi à sede da Liga procurar por Luís Vaz Martins, ameaçando de morte. O que acontece é que ele agora anda fugido quer de casa, quer da Liga.
- O que é que esses militares lhe disseram?
- Eles exigiram-me satisfações sobre questões militares. Perguntaram-me por que motivo é que disse que os militares ficam com o dinheiro do orçamento que lhes é destinado e não prestam contas. Perguntaram como sei disto. Disse-lhes que sou presidente do Tribunal de Contas e fui informado. Depois de lhes ter tido isto, eles voltaram a bater-me. Expliquei-lhe tudo que se passava à volta das chefias militares e que estava a defender os soldados. Entenderam a minha explicação, talvez tenha sido a minha salvação, e acabaram por sair de casa, mas antes voltaram a agredir-me, a minha mulher e os filhos.
- Vai mesmo processar o governo por causa dessa agressão?
- Sim, sem dúvida. Aliás, quase que não preciso de processar porque fiz publicamente a denúncia desses crimes. Tanto mais que quando ainda estava no Hospital de Bissau, na manhã da agressão, dois agentes da Polícia Judiciária foram ouvir-me. A Polícia Judiciária esteve também em minha casa, fotografaram, fizeram um relatório de tudo que os militares roubaram. Portanto, a PJ cumpriu a fase inicial de tomada de declarações e do conhecimento dos factos.
“EU QUERO QUE ME PROCESSEM”
- O primeiro-ministro e o chefe dos militares disseram que as suas declarações são falsas e vão processá-lo...
- Eu quero que me processem. Vai ser uma oportunidade para eles explicarem certas coisas. Por exemplo, de onde veio o senhor Zamora Induta para ser agora o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas? Veio com a chuva? Houve algum tornado que o trouxe? Ele não era adjunto do Chefe de Estado Maior Geral das Forças Armadas, não era vice, não era sequer Chefe do Estado Maior de qualquer ramo, nem sequer adjunto de Chefe do Estado Maior de qualquer ramo, como é que ele surge? E depois surge com artes de magia. Ele surge logo depois da morte de Chefe do Estado Maior Geral das Forças Armadas, Tagmé Na Waie, dizendo que o assassinato de Tagmé e de Nino foi um ajuste de contas. Que informações Zamora Induta tinha para fazer essa declaração? Como é que ele aparece a dialogar com o governo numa posição de supremacia?
– Trabalhou vários anos com o ex-presidente Nino Vieira. Como é que ele estava nos últimos tempos?
– Nino Vieira disse-me várias vezes que estava preocupado com Tagmé Na Waie porque sempre que tinha de se ausentar do país, Tagma telefonava-lhe. Dizia-lhe que sabia que tinha assinado o decreto da sua exoneração que seria lido na sua ausência. Nino dizia a Tagmé que enquanto for presidente ele seria sempre o chefe dos militares. As intrigas entre ambos eram muitas. Nino pressentia que algo de anormal iria acontecer. Ele viva com medo, tinha medo de sair de casa, temia da sua segurança. Quando foi recentemente para o estrangeiro fazer uma operação, disse-me que não sabia se voltava. Ofereci-lhe uma bíblia e ele aceitou. Ele pedia que o ajudassem para não cometer os mesmos erros do passado. O Nino que foi morto, não é o mesmo de outros tempos, duro, implacável e autoritário.
– Disse que o 1º ministro e o actual chefe dos militares são responsáveis pela morte de Nino Vieira...
– Os dois têm de explicar porque é que Zamora, após a morte do Tagma, reforçou a segurança do 1º ministro e não reforçou a do presidente? Zamora não é chefe de nenhum dos ramos das Forças Armadas, como é que chega a líder? Há então um conluio entre ambos que deu o golpe que decapitou o Estado. A forma como foi feita a ascensão de Zamora poderá trazer problemas no futuro.
Defendo que o Tribunal Penal Internacional devia julgar o primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e CEMGFA interino, Zamora Induta, por envolvimento num golpe de Estado. O Tribunal Penal Internacional deve agir, prendendo esses dois suspeitos do golpe de estado e dessas barbaridades.
“SOU CANDIDATO”
- Como sair da instabilidade em que o país vive?
- Entregando a governação do país à ONU por um período mínimo de 10 anos para promover eleições, depois de ter criado os hábitos de boa governação, de fiscalização das contas públicas, portanto, depois de garantir o funcionamento pleno do Estado guineense. Só depois viria a organização de eleições livres, transparente, fiscalizadas pela ONU. Mas primeiro que tudo é necesario que seja enviada uma força multinacional de intervenção que garantisse a isenção e a exemplaridade das eleições e que, enfim, estivesse lá também para fazer vigilância daquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os direitos humanos. O envio de uma força militar multinacional justifica-se com o princípio do dever de intervenção e esquecendo o princípio caduco da não ingerência em assuntos internos, que cai perante os prejuízos à democracia e aos Direitos Humanos.
- Quando é que tenciona regressar a Bissau?
- Dentro de cinco a seis semanas.
- Vai candidatar-se à Presidência da República nas eleições de 28 de Junho próximo?
- Sim, sou candidato. O meu partido (Partido para a Democracia, Desenvolvimento e Cidadania) já me elegeu internamente e está a angariar assinaturas e a promover contactos com outros partidos no sentido de obter a confluência de interesses para as presidenciais. Prometo da minha parte uma campanha muito séria, apresentando estratégias para tirar a Guiné-Bissau do contexto em que está e os guineenses da miséria moral. Não deixarei de dialogar com quem quer que seja. Terei todo o respeito, o maior respeito por todos. Vou fazer, como sempre faço, uma campanha pedagógica.
PERFIL
Francisco Fadul. Com 56 anos, foi primeiro-ministro, à frente de um governo de unidade nacional, entre Dezembro de 1998 e Fevereiro 2000. Líder do Partido para a Democracia Desenvolvimento e Cidadania é considerado um político muito frontal.

Sem comentários: